domingo, 10 de julho de 2022

As revoltas escravas no Brasil colônia

 

Segundo Ernesto Ennes, no tempo do quilombo de Palmares as pilhagens das propriedades e engenhos eram frequentes. [1] Sobre o quilombo de Palmares Rocha Pita descreve que “roubaram aos senhores delas os vestidos, roupas e armas que lhes achavam, ameaçando violar-lhes as mulheres e filhas, se as não remiam com dinheiro ou outras dádivas .... Alguns moradores daqueles distritos, por temerem os danos que recebiam e segurarem as suas casas, famílias e lavouras dos males que os negros de Palmares lhes causavam, tinham com eles secreta confederação, dando-lhes armas, pólvora e balas”.[2] Segundo Décio Freitas os palmarinos faziam suas incursões não somente para roubar armas e ferramentas, mas para exercer sua vingança contra seus antigos senhores depredando  engenhos e incendiando plantações.[3] Segundo o depoimento do holandês Gaspar Barleus os ataques dos palmerinos levaram aos holandeses a planejar a destruição do quilombo, porém Edson Carneiro contesta que os prejuízos pudessem justificar a custosas entradas de choque armado.[4] A obra de Gaspar Barleus Rerum per octeninum in Brasilia, ilustrada por Franz Post mostra uma representação de Palmares em Pernambuco convivendo lado a lado com um engenho de açúcar.[5] Mario Martins de Freitas menciona um documento encontrado na Torre do Tombo em Portugal escrito pelo Conselheiro Drummond que relata os ataques dos palmerinos aos engenhos e conclui: “era de fato um inimigo portas a dentro, inimigo terrível porque organizado, inimigo terrível porque vingativo”.[6] Para o padre Antonio Vieira em sermão proferido em 1680 na Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, ele retoma o argumento que já manifestara em sermões anteriores de que a escravidão era um estado de graça para os que estavam no cativeiro e que aqueles que serviam à escravidão sem resistir  eram “verdadeiros servos de Cristo”. Um documento encontrado na Biblioteca de Évora com o título Carta de Antonio Vieira a um certo fidalgo datada de 2 de julho de 1691 recomenda a destruição de Palmares numa repressão “fortíssima e total, porque sendo rebelados e cativos, estão e perseveram em pecado contínuo e atual, de que não podem ser absolvidos, nem receber a graça de Deus, nem se restituírem ao serviço e obediência de seus senhores, o que de nenhum modo hão de fazer”. Para Antonio Vieira o reconhecimento da liberdade dos negros em Palmares suscitaria a fuga de negros por todo o Brasil desestruturando a ordem econômica: “Esta mesma liberdade se concedida seria a total destruição do Brasil, porque conhecendo os demais negros que por este meio tinham conseguido ficar livres, cada cidade, cada vila, cada lugar, cada engenho, seriam logo outros tantos Palmares, fugindo, passando-se aos matos com todo o seu cabedal, que não é mais do que o próprio corpo”[7].Flávio Gomes mostra que a historiografia dos anos 1930 a 1950 em autores como Nina Rodrigues em “Os africanos no Brasil” e Edison Carneiro em “O quilombo de Palmares” destacam os quilombos como foco de resistência cultural dos negros. Nos anos 1960 e 1970 ganha importância a perspectiva materialista de autores como Clovis Moura em “Rebeliões da senzala” e “Os quilombos e a rebeldia negra” e Décio Freitas em “Palmares: a guerra dos escravos” que destacam o aspecto de revolta e resistência em oposição a visão idílica do negro integrado à sociedade proposta nas teses de Gilberto Freyre.[8]



[1] BRITO, José Gabriel Lemos. Pontos de partida para a história econômica do Brasil. Brasiliana v. 155, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1980, p.62

[2] PITA, Sebastião da Rocha. História da América portuguesa. Belo Horizonte: Itatiaia, 1976, p.215   https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/574177/000970492_Historia_America_portuguesa.pdf

[3] FREITAS, Décio. Palmares a guerra dos escravos, Rio de Janeiro: Graal, 1978, p. 38

[4] CARNEIRO, Edison. O quilombo de Palmares, São Paulo: Martins Fontes, 2011, p. 59

[5] AQUINO, Fernando, Gilberto, HIran. Sociedade brasileira: uma história, São Paulo: Record, 2000, p.143

[6] FREITAS, Mario Martins. Reino negro de Palmares, Rio de Janeiro:Bibliex, 1988, p. 210

[7] VAINFAS, Ronaldo. Perfis brasileiros: Antonio Vieira. São Paulo: Cia das Letras, 2011, p. 279, 280

[8] GOMES, Flávio. Sonhando com a terra, construindo a cidadania. In: PINSKY, Jaime. História da cidadania, São Paulo: Contexto, 2021, p. 450



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