A bula Sublimis Deus de 1537 divulgada pelo papa Paulo III em que reconhece a humanidade dos indígenas e defende uma evangelização respeitosa e pacífica era “letra morta”, segundo Henrique Matos.[1] Uma carta de Manoel da Nóbrega de 5 de maio de 1558 sistematiza a nova política da catequese em seis itens básicos. A chamada “pedagogia do amor” inicial é substituída pela chamada “pedagogia do medo” fundamentada no aperfeiçoamento das técnicas de controle e destribalização.[2] O rei português d. Sebastião promulga lei que determina: “defendo e mando que daqui em diante não se usa nas ditas partes do Brasil dos modos que se tem em fazer cativos os ditos gentios nem se possam manter cativos de maneira alguma salvo aqueles que forem tomados em guerra justa”.[3] A partir de 1570 somente o aprisionamento por “guerra justa”, contra tribos hostis, seria permitido,[4] ainda que o limite entre o que seria uma guerra justa fosse muito tênue. Segundo o testemunho de Fernão Cardim sobre os tamoios no Rio de Janeiro aliados dos franceses: “estes destruíram os portugueses quando povoaram o Rio e deles há muito poucos”. [5] O próprio padre Anchieta na carta a Mem de Sá “De Gestis Mendi de Saa” de 1560 saúda ao bravo governador por subjugar as populações aborígenes pelo colono português: “quem poderá contar os gestos heroicos do chefe à frente dos soldados, na imensa mata. Cento e sessenta as aldeias incendiadas. Mil casas arruinadas pela chama devoradora. Assolados os campos, com suas riquezas. Passado tudo ao fio de espada”.[6] Para Anchieta tal violência se justificava pois “para esse gênero não há melhor pregação do que a espada e a vara de ferro”. [7] Warren Dean estimou que dos cerca de 100 mil tupinambás em 1500 nos arredores da capitania do Rio de Janeiro, restavam apenas 7 mil em 1600. [8] Em Salvador após a morte do bispo Sardinha comido pelos caetés, o governador geral autoriza em 1562 uma guerra justa que levou a massacre da população nativa incluindo crianças, jovens e mulheres até mesmo os caetés que viviam nos aldeamentos jesuítas.[9] Na guerra para a conquista do recôncavo baiana, o governador geral Mem de Sá relata a destruição de 130 aldeias sem maiores resistências.[10] Em 1609, no período felipino quando as coroas espanholas e portuguesas estavam unificadas, uma nova lei proibiu completamente a escravização de índios, embora em 1611 a exceção por guerra justa fosse novamente adotada.[11] Em 1653 nova provisão de d. João IV proíbe o cativeiro exceto nos casos de guerra justa, uma brecha que permitia que a escravização continuasse intacta o que levou a protestos do padre Antonio Vieira que quase levou a expulsão dos jesuítas do Maranhão.[12]
[1] MATOS, Henrique Cristiano José. Caminhando pela história da Igreja, Belo Horizonte: O lutador, 1995, p. 113
[2] HANSEN, João Adolfo. Manuel da Nóbrega, Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010, http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me4709.pdf
[3] PINSKY, Jaime. História da cidadania, São Paulo: Contexto, 2021, p. 426
[4] MAESTRI, Mario. Terra do Brasil: a conquista lusitana e o genocídio Tupinambá, São Paulo: Moderna, 1993, p. 53
[5] RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro. São Paulo: Cia das Letras, 2006, p. 165
[6] RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro. São Paulo: Cia das Letras, 2006, p. 45
[7] MATOS, Henrique Cristiano José. Caminhando pela história da Igreja, Belo Horizonte: O lutador, 1995, p. 96
[8] KOK, Gloria. Os vivos e os mortos, São Paulo: Unicamp, 2001, p.129
[9] MAESTRI, Mario. Terra do Brasil: a conquista lusitana e o genocídio Tupinambá, São Paulo: Moderna, 1993, p. 76
[10] MAESTRI, Mario. Terra do Brasil: a conquista lusitana e o genocídio Tupinambá, São Paulo: Moderna, 1993, p. 74
[11] VAINFAS, Ronaldo. Antonio Vieira, perfis brasileiros, São Paulo: Cia das Letras, 2011, p. 52
[12] VAINFAS, Ronaldo. Antonio Vieira, perfis brasileiros, São Paulo: Cia das Letras, 2011, p. 202
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