domingo, 26 de junho de 2022

Rui Barbosa, os positivistas e a campanha da vacinação

 

Florianistas oposicionistas interessados na tomada de poder procuraram obter um ganho político das manifestações populares contrárias ao governo como a Revolta da Vacina. Para José Murilo de Carvalho a revolta teve como pano de fundo questões econômicas e a carestia que a população vinha atravessando.[1] Para Marco Pamplona a vacinação não foi o alvo principal da Revolta, que abarcava a queixa contra os abusos da repressão diária contra os “costumes bárbaros” da camada pobre da soceiadde submetida a um processo forçado de urbanização e civilização imposto pelas autoridades do governo. [2]Marco Pamplona mostra que já em 1811 foi introduzida a vacinação que se tornou obrigatória em 1837 para as crianças do Rio de Janeiro por meio de um decreto municipal, de modo que a vacinação já era algo conhecido, pois a vacinação obrigatória vinha sendo renovada como no decreto de 1889 que ampliou a obrigatoriedade para crianças acima de seis meses de idade.[3] Paradoxalmente mesmo positivistas, tais grupos de oposição reunidos em torno do Apostolado Positivista[4], tendo em vista a conveniência de um projeto de poder, se colocam contra o projeto de modernização e progresso por exemplo nas campanhas de vacinação empreendidas pelo cientista Oswaldo Cruz. Segundo manifesto assinado por Teixeira Mendes: “a Igreja Positivista do Brasil, de acordo com seus antecedentes, combate a vacinação obrigatória por todos os meios pacíficos”.[5] O senador Lauro Sodré  e na Câmara Barbosa Lima tornam-se os grandes opositores ao decreto sobre a vacinação obrigatória, ambos positivistas e florianistas ferrenhos. Na imprensa o Correio da Manhã e o Commercio do Brasil denunciavam o “despotismo governamental”. Ivan Lins destaca que os positivistas em geral não negavam o mérito profilático da vacina, no entanto, questionavam a forma compulsória em que a campanha de vacinação vinha sendo proposta[6] e que não estavam sozinhos na oposição á vacina, mas junto com Rui Barbosa, Joaquim Murtinho, Barata Ribeiro, entre outros não positivistas que também questionavam a eficácia da vacina.[7] O positivismo buscava o fim de todos os privilégios acadêmicos e se colocava contra a campanha das vacinas pela que entendia ser uma manifestação de “despotismo sanitário”.[8] Jaime Benchimol aponta a posição paradoxal dos positivistas que sempre defenderam um Estado forte e acabaram se vendo vítima da ação deste Estado na campanha de vacinação obrigatória. Outro aspecto era assistir os positivistas adeptos da modernização republicana se colocarem contra o papel modernizador da campanha de vacinação[9]. Contra a vacina e sua imposição legal levantaram-se também setores inteiramente estranhos ao positivismo. Para José Maria dos Santos: ”a revolta de novembro de 1904 foi um movimento de natureza essencialmente econômica, com as suas verdadeiras origens na absoluta indiferença dos meios políticos e governamentais ante o sofrimento geral da população. A vacinação obrigatória, por si só, não a explicaria”. [10]

Rui Barbosa em discurso no senado em 16 de novembro de 1904, já depois de fracassada a chamada revolução da vacina, disse: "Contrário era e continuo a ser à obrigação legal da vacina [...]Neste assunto, é hoje, pois, convicção minha, só uma certeza existe: a de que o Estado comete uma violência, a de que o Estado exorbita das suas funções constitucionais, a de que o Estado perpetra um crime, assumindo o papel de árbitro nesta lide e ditando penalmente a sua leviana sentença [...] Mostrai-me o título, divino ouo humano, que vos conferiu o direito de intervir na substância do meu sangue. A natureza reservou as minhas veias ao domínio privativo. Mas a lanceta individual não as penetrará, enquanto a certeza científica me não tranquilizar contra os males, que lhe atribui o clamor dos competentes [...] A medicina do meu corpo, com a do meu espírito, me pertence”.[11] Ainda segundo Rui Barbosa: “Nesse assunto, é convicção minha: só uma certeza existe, a de que o Estado comete uma violência, a de que o Estado exorbita as suas funções constitucionais, a de que o estado perpetua um crime assumindo o papel de árbitro nesta lide e ditando penalmente a sua leviana sentença [...] não tem nome, na categoria dos crimes do poder, a temeridade, a violência, a tirania, a que ele se aventura, expondo-se voluntariamente, com a introdução, no meu sangue, de um vírus, em cuja influência existam os mais fundados receios de que seja condutor da moléstia ou da morte. O Estado mata, em nome da lei, os grande criminosos. Mas não pode, em nome da saúde pública, impor o suicídio aos inocentes”.[12] Nessa mesma época outros países já adotavam política de vacinação obrigatória como a Baviera em 1807, Dinamarca em 1810, Suécia 1814, Prússia 1835, Hungria 1876, Áustria 1886 entre outros países.[13] Magalhães Júnior avalia que “O individualismo de Rui não lhe permitia ver que se tratava de um problema de medicina preventiva, de uma defesa da saúde coletiva, e que a necessidade geral de eliminação do contágio se impunha, acima das extravagâncias, excentricidades e teimosias pessoais”. Em 1917, numa conferência em homenagem a Oswaldo Cruz no Teatro Municipal, após ter recebido prêmio internacional em Berlim pelo seu trabalho na erradicação da febre amarela, o mesmo Rio Rui Barbosa irá a ele se referir como “homem superior ao seu tempo e ao seu país e que deixou extintas [como a febre amarela, doença do barbeiro, impaludismo] ou em vias de extinção”.[14]


[1] CARVALHO, José Murilo. Os bestializados: O Rio de Jneiro e a República que não foi, São Paulo: Cia das Letras, 1996;  CUKIERMAN, Henrique. Yes, nós temos Pasteur. Rio de Janeiro: Faperj,2007, p. 265

[2] SCLIAR, Moacyr, Saúde pública, histórias, políticas e revolta, Coleção Mosaico, São Paulo: Scipione, 2002, p.82

[3] SCLIAR, Moacyr, Saúde pública, histórias, políticas e revolta, Coleção Mosaico, São Paulo: Scipione, 2002, p.78

[4] BENCHIMOL, Jaime. Manguinhos do sonho à vida: a ciência na Belle Époque. Rio de Janeiro:Fiocruz, 1990, p.25

[5] CUKIERMAN, Henrique. Yes, nós temos Pasteur. Rio de Janeiro: Faperj,2007, p. 239

[6] LINS, Ivan. História do positivismo no Brasil, Brasiliana, n.322, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1967, p.64

[7] LINS, Ivan. História do positivismo no Brasil, Brasiliana, n.322, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1967, p.427

[8] TORRES, João Camilo. O positivismo no Brasil, Brasília: Câmara dos Deputados, 2018, p.252

[9] CUKIERMAN, Henrique. Yes, nós temos Pasteur. Rio de Janeiro: Faperj,2007, p. 257

[10] FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro, v.2, São Paulo:Ed. Globo, 2000, p.141

[11] LINS, Ivan. História do positivismo no Brasil, Brasiliana, n.322, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1967, p.426; CUKIERMAN, Henrique. Yes, nós temos Pasteur. Rio de Janeiro: Faperj,2007, p. 252, 292, 308

[12] JUNIOR, Magalhães, Rui o homem e o mito, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965, p. 243; SANTANNA, Vanya. Ciência e sociedade no Brasil, São Paulo: Símbolo, 1978, p. 65

[13] JUNIOR, Magalhães, Rui o homem e o mito, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965, p. 242

[14] CUKIERMAN, Henrique. Yes, nós temos Pasteur. Rio de Janeiro: Faperj,2007, p. 146



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