domingo, 12 de junho de 2022

O unicórnio e Jesus no imaginário medieval

 

No século XVI Ambroise Paré ainda tinha de repreender o uso de medicamentos ineficazes como o pó de unicórnio[1]. Plínio já se referia ao unicórnio[2] como monóceros, com características similares a de um rinoceronte[3], a que atribui poderes mágicos e medicinais ao chifre. O Salmo 22:21 na versão da Vulgata se refere a existência de um unicornium, assim como em (Números 23:22; 24:8; Deuteronômio 33:17; Jó 39:9, 10; Salmo 22:21; 29:6; 92:10; Isaías 34:7). Em 1533 quando Catarina de Medicis casou-se com Henrique, o segundo filho do rei Francisco I e da rainha Cláudia de França, o papa Clemente VII ofereceu o que seria supostamente um chifre de um unicórnio como presente[4]. No século XVII em cavernas dos Alpes teriam sido encontrados dentes de dragão. Leibniz escreveu em 1694 um livro sobre geologia e história natural Protagaea em relata a existência de uma ossada de unicórnio/licorne mencionado no livro de Jó[5]. No século IX Fócio descreve o unicórnio como um animal bravo e dotado de um chifre na testa cujo pó obtido pela trituração de seu chifre é um poderoso contraveneno e proteção contra infortúnios.[6] Em Paris o museu de Cluny mostra a tapeçaria La dame à la licorne, do século XV com uma cena representando uma bela mulher que recebe a visita de um unicórnio[7], símbolo da virgindade.[8] Segundo a lenda medieval um unicórnio somente poderia ser capturado quando sua cabeça repousasse sobre o colo de uma virgem o que foi interpretado pela Igreja como uma outra imagem para Cristo.[9] Somente quando repousando sobre o corpo da virgem é possível extrair seu chifre. O ser macho fêmea combina aspectos femininos (corpo de virgem) e masculinos (chifre único) simbolizando dois sexos latentes no mesmo ser. A cena simboliza o Cristo tornando-se humano ao nascer do corpo de uma virgem.[10]

[1] ABRIL Cultural, Medicina e Saúde. História da Medicina, v.I, São Paulo, 1970, p. 100

[2] DEARY, Terry. Terríveis romanos. São Paulo:Melhoramentos, 2002, p. 113

[3] FOSSIER, Robert. As pessoas da idade média, Rio de Janeiro: Vozes, 2018, p. 166

[4] BOORSTIN, Daniel. Os descobridores, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1989, p.388

[5] WENDT, Herbert. A procura de Adão. São Paulo:Melhoramentos, 1965, p. 16

[6] SICCA, Amalia Papa. Animais domésticos, selvagens, imaginários. In: ECO, Umberto. Idade média: bárbaros, cristãos e muçulmanos, v.I, Portugal:Dom Quixote, 2010, p.268

[7] GOFF, Jacques. A idade média explicada aos meus filhos, Rio de Janeiro:Agir, 2007, p. 97

[8] DELORT, Robert. Animais. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean Claude. Dicionário analítico do Ocidente medieval. v.I, São Paulo:Unesp, 2017, p. 78; GOFF, Jacques. Maravilhoso. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean Claude. Dicionário analítico do Ocidente medieval. v.II, São Paulo:Unesp, 2017, p. 133

[9] In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean Claude. Dicionário analítico do Ocidente medieval. v.I, São Paulo:Unesp, 2017, p. 167

[10] READER’S, DIGEST Os últimos mistérios do mundo.Rio de Janeiro, 2003, p. 46



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