Uma marca do individualismo na sociedade romana estava
no crescimento das cidades e no progressivo enfraquecimento do ideal de
responsabilidade cívica que Edward Gibbon detectara como o “lento e secreto veneno” que
comprometeria os fundamentos do império romano e contribuiria para sua
derrocada. Edward Gibbon descreve a ascensão e queda de Roma: “A ascensão de
uma cidade que se avantajou num império bem merece, por singular prodígio, ser
tema de reflexão para um espírito filosófico. Todavia, o declínio de Roma foi a
natural e inevitável consequência da grandeza imoderada. A prosperidade fez com
que amadurecesse o princípio de decadência; as causas de destruição se multiplicaram
com a extensão das conquistas; e, tão logo o tempo ou os acidentes removeram os
sustentáculos artificiais, a estupenda estrutura desabou sob seu próprio peso.
A história de sua ruina é simples e óbvia; em vez de perguntar por que o
Império Romano foi destruído, devemos antes surpreender-nos de ele ter durado
tanto. As legiões vitoriosas, que em guerras remotas adquiriram os vícios de estrangeiros
e mercenários, primeiro tiranizaram a liberdade da República e mais tarde
violaram a majestade da púrpura. Os imperadores, preocupados com sua segurança
pessoal e com a ordem pública, viram-se reduzidos ao vil expediente de
corromper a disciplina que as tinha tornado temíveis a seu soberano e ao
inimigo; relaxou-se a energia do governo militar, e finalmente dissolveu-se com
as instituições facciosas de Constantino; e eis que o mundo romano foi
engolfado por um dilúvio de bárbaros. [...]
se o declínio do Império Romano foi apressado pela conversão de
Constantino, sua religião vitoriosa amorteceu a violência da queda e abrandou a
índole violenta dos conquistadores”. Greg Woolf destaca que o cristianismo não
conseguiu cumprir seu papel de estabilização política do império romano, e seu
papel como religião universal serviu para enfraquecer a ideia de um império: “o
cristianismo foi uma ideologia imperial menos eficiente do que tinham sido os
cultos estatais tradicionais, em parte devido a tendência crônica ao cisma e à
heresia, e parte porque conferia uma autoridade independente a líderes
religiosos, como os bispos de Roma [..] O cristianismo e o islã não destruíram o
Império Romano, mas o mundo que
apresentaram era menos receptivo aos
grandes impérios políticos da
Antiguidade”.[1] Para Adilton Martins: “Na verdade,
foi o cristianismo que enfraqueceu o Império, mas um cristianismo específico,
aquele dotado da metafísica platônica, que se tornou um fanatismo quando se utilizou
da violência, por motivos teológicos – contraditoriamente, desmilitarizou a
sociedade pregando a paz e a vida póstuma. Essa imagem de Roma serve a Gibbon
como instrumento de crítica ao fanatismo e defesa da sociedade comercial, que
apresenta como superior, fazendo uso das categorias sociais e do ceticismo de
Hume. Até mesmo a forma erudita de escrita de sua história constitui-se num
modelo de uma sociedade superior”. [2] Edward Gibbon
sugere que a Igreja cristã ao desviar os cidadãos romanos de seus compromissos
cívicos contribui para a queda do espírito de coletividade e resistência às
invasões, no entanto Tim Cornell observa que este argumento não consegue
explicar o porque de Roma Ocidental ter caído às invasões estrangeiras enquanto
que Roma Oriental, também cristã, resistiu.[3]
[1] WOOLF, Greg. Roma: a história de um império,São Paulo: Cultrix, 2017, p.261
[2] SILVA, Glaydson José; CARVALHO, Alexandre Galvão. Como se escreve
a história da antiguidade: olhares sobre o antigo, São Paulo: Unifesp, 2021
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