Em 1686 um parecer foi favorável aos negros poderem frequentar as escolas de jesuítas, porém dois anos após, o visitador geral da Companhia de Jesus em Salvador, padre Antonio Vieira (1608-1697), que tinha origem mestiça [1], embora defendesse o fim da distinção entre cristãos novos e cristãos velhos, observava que os pardos eram “sempre malcriados” e deveriam ser banidos dos colégios: ‘Por esta razão, nesta costa do Brasil, já lhes está totalmente fechado o ingresso ao sacerdócio e aos claustros religiosos e a qualquer função governativa”.[2] A avó materna de Antonio Vieira era mulata e letrada o que sugere ser oriunda de uma família de cristãos novos, enquanto seu avô mulato. Ronaldo Vainfas observa que essa “nódoa de sangue” nos avós de Antonio Vieira fazia com que ele sempre evitasse de falar dos avós.[3] Segundo Antonio Vieira em “Distinção entre os portugueses nascidos em Portugal e os nascidos no Brasil” os portugueses que vivem no Brasil perderam a pureza de sangue quando se misturaram com o negro e o índio: “Os nascidos em Portugal mantém puro o sangue pátrio; pelo contrário, no Brasil há muitos que o têm misturado com etíope ou brasílico, e é grande o seu número também entre nós”.[4] O mesmo padre Vieira na revolta dos índios no Pará em 1661 recomenda o uso de escravos negros vindos da África “por serem os índios da terra menos capazes do trabalho e de menos resistência contra as doenças”.[5] Ronaldo Vainfas destaca a coerência teológica de Antonio Vieira que entendia serem os negros africanos descendente de Cam, filho maldito de Noé, condenado à servidão: “Maldito seja Canaã [Cam]; Servo dos servos será de seus irmãos” (Genesis 9:25) e descrito especialmente a partir do século XV em vários mapas como povoador da África.[6]
[1] RUSSELL WOOD, Escravos
e libertos no Brasil colônia, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p.115
[2] GOMES, Laurentino.
Escravidão, v.I, São Paulo: Globo, 2019. p.348
[3] VAINFAS, Ronaldo. Perfis brasileiros: Antonio Vieira. São Paulo: Cia das
Letras, 2011, p. 25
[4] ZERON, Carlos. Da farsa
à tragédia: a guerra de facções que pôs fim às esperanças de Antonio Vieira por
um quinto Império e transformou o modo de atuação dos jesuítas no Brasil. In:
BRASIL, Jesuítas. Bicentenário da restauração da Companhia de Jesus
(1814-2014), São Paulo: Loyola, 2014, p.190
[5] RODRIGUES, José
Honório. História da história do Brasil, São Paulo: Cia Editora Nacional, 1979,
p.480
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