sexta-feira, 8 de abril de 2022

A guerra justa aprovada pela Igreja

 

A bula Sublimis Deus de 1537 divulgada pelo papa Paulo III em que reconhece a humanidade dos indígenas e defende uma evangelização respeitosa e pacífica era “letra morta”, segundo Henrique Matos.[1] Uma carta de Manoel da Nóbrega de 5 de maio de 1558 sistematiza a nova política da catequese em seis itens básicos. A chamada “pedagogia do amor” inicial é substituída pela chamada “pedagogia do medo” fundamentada no aperfeiçoamento das técnicas de controle e destribalização.[2] A partir de 1570 somente o aprisionamento por “guerra justa”, contra tribos hostis, seria permitido,[3] ainda que o limite entre o que seria uma guerra justa fosse muito tênue. Segundo o testemunho de Fernão Cardim sobre os tamoios no Rio de Janeiro aliados dos franceses: “estes destruíram os portugueses quando povoaram o Rio e deles há muito poucos”.[4] O próprio padre Anchieta na carta a Mem de Sá “De Gestis Mendi de Saa” de 1560 saúda ao bravo governador por subjugar as populações aborígenes pelo colono português: “quem poderá contar os gestos heroicos do chefe à frente dos soldados, na imensa mata. Cento e sessenta as aldeias incendiadas. Mil casas arruinadas pela chama devoradora. Assolados os campos, com suas riquezas. Passado tudo ao fio de espada”.[5] Para Anchieta tal violência se justificava pois “para esse gênero não há melhor pregação do que a espada e a vara de ferro”.[6] Warren Dean estimou que dos cerca de 100 mil tupinambás em 1500 nos arredores da capitania do Rio de Janeiro, restavam apenas 7 mil em 1600.[7] Em Salvador após a morte do bispo Sardinha comido pelos caetés, o governador geral autoriza em 1562 uma guerra justa que levou a massacre da população nativa incluindo crianças, jovens e mulheres até mesmo os caetés que viviam nos aldeamentos jesuítas.[8] Na guerra para a conquista do recôncavo baiana, o governador geral Mem de Sá relata a destruição de 130 aldeias sem maiores resistências.[9] Em 1609, no período felipino quando as coroas espanholas e portuguesas estavam unificadas,  uma nova lei proibiu completamente a escravização de índios, embora em 1611 a exceção por guerra justa fosse novamente adotado.[10]



[1] MATOS, Henrique Cristiano José. Caminhando pela história da Igreja, Belo Horizonte: O  lutador, 1995, p. 113

[2] HANSEN, João Adolfo.  Manuel da Nóbrega, Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010, http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me4709.pdf

[3] MAESTRI, Mario. Terra do Brasil: a conquista lusitana e o genocídio Tupinambá, São Paulo: Moderna, 1993, p. 53

[4] RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro. São Paulo: Cia das Letras, 2006, p. 165

[5] RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro. São Paulo: Cia das Letras, 2006, p. 45

[6] MATOS, Henrique Cristiano José. Caminhando pela história da Igreja, Belo Horizonte: O  lutador, 1995, p. 96

[7] KOK, Gloria. Os vivos e os mortos, São Paulo: Unicamp, 2001, p.129

[8] MAESTRI, Mario. Terra do Brasil: a conquista lusitana e o genocídio Tupinambá, São Paulo: Moderna, 1993, p. 76

[9] MAESTRI, Mario. Terra do Brasil: a conquista lusitana e o genocídio Tupinambá, São Paulo: Moderna, 1993, p. 74

[10] VAINFAS, Ronaldo. Antonio Vieira, perfis brasileiros, São Paulo: Cia das Letras, 2011, p. 52



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