Para Robert Fossier: “as revoltas camponesas, e mesmo a das cidades, não tem como objeto, pelo menos antes do século XV, a derrubada do sistema senhorial; são seus desvios ou a miséria que as provocam”.[1] Eduard Perroy observa que estas reivindicações de emancipação camponesa e do acesso dos membros das corporações de ofícios às vantagens da fortuna burguesa viria a experimentar um duplo malogro, exceto por vitórias temporárias em Flandres, em Gand em 1360 e em Liège em 1384, seja porque surgem em um momento em que a força das cidades começa a fraquejar, seja pela ascensão do poder político do rei ou príncipe: “o poder político foi o único beneficiário da operação”.[2] Perry Anderson argumenta que tais revoltas demonstram que não são as forças produtivas (novas tecnologias) que rompem triunfantemente com as relações de produção como normalmente se pensa em meios marxistas mas pelo contrário novas forças de produção deverão ser engendradas para dar lugar a um modo de produção globalmente novo, ou seja as relações de produção (sociedade) em geral mudam antes das forças de produção (tecnologia) e não o contrário. Assim a crise do feudalismo não levou logo em seguida a um surto de novas técnicas de produção, isso somente viria a acontecer séculos mais tarde.[3] Will Durant critica a ênfase marxista nos condicionantes econômicos como motores da sociedade: “Marx não afirmou que os indivíduos sempre foram movidos por interesse econômico; ele estava longe de imaginar que considerações materiais levaram ao romance de Abelardo, ao evangelho de Buda ou aos poemas de John Keats. Mas ele talvez tenha subestimado o papel desempenhado pelas iniciativas não econômicas no comportamento das massas: no fervor religioso, como nos exércitos muçulmanos e espanhóis; no ardor nacionalista, como nas tropas de Hitler ou nos camicases japoneses; na fúria autofertilizante, como nos motins de Gordon de 2 a 8 de junho de 1780 em Londres ou nos massacres de 2 a 7 de setembro de 1792 em Paris. Nesses casos, os motivos (geralmente ocultados) dos líderes podem ter sido econômicos, mas o resultado é em grande parte determinado pela paixão das massas”.[4] Ernst Bloch (não confundir com o historiador Marc Bloch) destaca que o papel religioso e místico que o milenarismo exerceu em muitas das revoltas camponesas envolvidas do princípio ao fim do século XV e no movimento anabatista do século XVI, inspirado nas ideias de Martinho Lutero, não deve ser reduzido a uma analise unicamente econômica: “no caso particular da guerra dos camponeses, com toda a sua poderosa atividade de fabrico, de comércio de imagens, com todo os seu espiritualismo, é impossível , ao lado dos fatores econômicos que condicionaram a detonação do conflito e a escolha de seus objetivos, não considerar em si mesmo o que lhe constitui o elemento essencial e primitivo: a familiaridade com o mais antigo dos sonhos, a abertura e expansão do velho movimento herético, o arroubado querer – impaciente, rebelde e grave no mais alto ponto – de uma caminhada que leva diretamente ao paraíso”.[5]
[1] FOSSIER, Robert. As
pessoas da idade média, Rio de Janeiro: Vozes, 2018, p. 204
[2] PERROY, Edouard. A
idade média : os tempos difíceis, tomo III, v. 3, São Paulo:Difusão, 1958, p.
43
[3] ANDERSON, Perry.
Passagens da antiguidade ao feudalismo, Porto: Afrontamento, 1982, p. 228
[4] DURANT, Will, 12 lições
da história para entender o mundo, Barueri: Faro Editorial, 2018, p. 56
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