sábado, 19 de março de 2022

Padre Antonio Vieira e a evangelização através da escravidão

 

No XIV Sermão do Rosário depois de descrever o sacrifício dos escravos na vida no engenho equiparando-o ao próprio inferno ainda assim Antonio Vieira comenta que “deveis  dar infinitas graças a Deus, por vos haver dado conhecimento de si e por vos haver tirado de vossas terras, onde vossos pais e vós vivíeis como gentios, e vos ter trazido a esta, onde instruídos na fé  vivais como cristãos e vos salveis”. Para o padre Antonio Vieira a vinda como escravos era a libertadora da vida como gentio.[1] Para Antonio Vieira a glória dos pretos era sua condição de escravo na qual podia igualar seus sofrimentos aos de Cristo. Sua condição de exílio no Brasil que poderia à primeira vista parecer um desterro  “não é senão milagre, e grande milagre!”. Segundo Antonio Vieira: “em um engenho sois imitadores de Cristo Crucificado porque padeceis em um modo muito semelhante o que mesmo Senhor padeceu na sua cruz em toda sua paixão. A sua cruz foi composta de dois madeiros e a vossa em um engenho é de três. Também ali não faltaram as canas, porque duas vezes entraram na paixão: uma vez servindo para o cetro de escárnio e outra vez para a esponja em que lhe deram o fel. A paixão de Cristo parte de noite foi de noite sem dormir, parte foi de dia sem descansar e tais são as vossas noites e os vossos dias. Cristo despido e vós despidos, Cristo sem comer e vós famintos, Cristo em tudo maltratado e vós maltrados em tudo. Os ferros, as prisões, os açoites, as chagas, os nomes afrontosos, de tudo isto se compõe a vossa imitação se forma acompanhada de paciência, também terá merecimento de martírio. Só lhe faltava a cruz para a inteira e perfeita semelhança o nome de engenho. Mas este mesmo lhe deu Cristo não com outro senão o próprio vocábulo: torcular se chama o vosso engenho, a vossa cruz, e de Cristo por boca do mesmo Cristo se chamou também torcular calcavi solus”[2]. Antonio Vieira se refere a profecia de Isaias sobre o Messias quando se refere ao lagar, ou seja, moinho para espremer as azeitonas e fazer azeite: torcular calcavi solus – eu pisei no lagar.  

[1] ALBUQUERQUE, Manoel Maurício. Pequena história da formação social brasileira, Rio de Janeiro: Graal, 1981, p. 40

[2] VAINFAS, Ronaldo. Perfis brasileiros: Antonio Vieira. São Paulo: Cia das Letras, 2011, p. 58



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