Para Sérgio Buarque de Holanda, a vida social brasileira é marcada por traços personalistas e aristocráticos oriundos de uma herança ibérica e rural. Roberto Simonsen já apontara o interesse mercantil de Portugal quando renomeou o país de Terra de Santa Cruz para Brasil. O católico João de Barros já denunciava os interesses mercantilistas: “por artes diabólicas se mudava o nome de Santa Cruz, tão pio e devoto, para o de um pau para tingir tecidos”. Segundo o jesuíta do século XVI: “vergonha que a cupidez do homem, por preocupações do tráfico, substituísse o lenho da cruz, tinto com o real sangue de Cristo, pelo de outra madeira, semelhante somente na cor”.[1] O padre Antonio Vieira destaca o entrelaçamento de interesses religiosos e mercantilistas: “Se não houvessem mercadores que fossem procurar os tesouros da terra no Oriente e nas Índias Ocidentais, quem transportaria para lá os pregadores que levam o tesouro celeste ?”.[2] Ronaldo Vainfas destaca que o interesse de Antonio Vieira em abolir qualquer distinção entre cristãos novos e velhos era o de atrair os judeus portugueses instalados na Holanda de volta para Portugal de modo a enriquecer a Coroa: “ele estava disposto a estimular a economia portuguesa com a injeção de capitais sefarditas, colocando os interesses da Coroa e do reino acima da ortodoxia oficial. Não resta dúvida de que seu projeto implicava um aburguesamento de Portugal, por imitação da Holanda, e um ataque frontal às estruturas de Antigo Regime ibéricas, ao menos aquelas que se amparavam na valorização exclusivas dos ideais aristocráticos, da pureza da fé e da limpeza de sangue”.[3] Por outro lado no sermão da Visitação de Nossa Senhora pregado no Hospital da Misericórdia da Bahia em 1640, Antonio Vieira se queixa da ambição dos portugueses: “Perde-se o Brasil, Senhor (digamo-lo em uma palavra), porque alguns ministros de Sua Majestade não vêm cá buscar o nosso bem, vêm cá buscar os nossos bens”.[4] Na Capela Real Antonio Vieira volta ao tema destacando a diferença dos ladrões agentes públicos os quais “não são aqueles miseráveis a quem a pobreza e vileza de sua fortuna condenou a este gênero de vida [..] os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título, são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões, ou o governo das províncias ou a administração das cidades, os quais já com mana, já com força, roubam e despojam os povos. Os outros ladrões roubam um homem, estes roubam cidades e reinos; os outros furtam debaixo do seu risco, este sem temor, nem perigo; os outros se furtam, são enforcados, estes furtam e enforcam”.[5] Em A arte de furtar escrito em 1652, mas só publicada em 1744, obra atribuída ao padre Antonio Vieira ou talvez Antonio de Sousa Macedo, é feita uma denúncia contra a venalidade dos administradores portugueses da metrópole.[6]
[1] SIMONSEN, Roberto.
História Econômica do Brasil, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1962, p.64
[2] BOXER, Charles. O império Colonial português, Lisboa:Edições 70, 1969,
p.81
[3] VAINFAS, Ronaldo. Perfis brasileiros: Antonio Vieira. São Paulo: Cia das
Letras, 2011, p. 111
[4] MARTINS, Wilson.
História da inteligência brasileira, v.I (1550-1794), São Paulo:USP, 1976, p.
181
[5] MARTINS, Wilson.
História da inteligência brasileira, v.I (1550-1794), São Paulo:USP, 1976, p.
195
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