O homo habilis utiliza seixos de pedras duras (talhadores - chopper)[1] como o sílex ou quartzo de
forma ovoide do qual foram destacadas lascas de modo a fornecer um gume
cortante, usado como lascador[2]. A perfeita estrutura
cristalina do sílex faz com que ele e fragmente quase sempre do mesmo modo o
que permite fabricar ferramentas bastante afiadas. Walter Neves observa que as
primeiras ferramentas de pedra datam de 2.6 milhão de anos encontradas na região
próxima ao rio Awash junto a fósseis do australopithecus
garhi, bem mais antigos, portanto, que o homo habilis.[3] Na técnica levallois / levaloisense[4] o bloco de sílex na face superior era retocado previamente de modo que seu
núcleo, uma vez na forma de disco, serve como plano de percussão que permite
destacar as lascas de modo mais regular[5]. A técnica Levallois
desenvolvida e aperfeiçoada pelo homem de Neandertal, que predomina em muitos
sítios moustierenses[6], extrai lascas de uma
pedra inicial, o que contrasta com a técnica acheulense onde cada ferramenta em
geral era manufaturada a partir de uma única pedra trabalhada até atingir a
forma desejada.[7] A técnica exige um planejamento antes de executar o trabalho[8]. As lascas de duas faces
lascadas são chamadas bifaces, abbevillenses (de Abbeville, Somme) ou “machados de mão”[9], “coup de poing”[10] o machado sem cabo, datam
de 1,6 milhão de anos[11], os mais rústicos do
paleolítico inferior[12], e possuem não somente
arestas cortantes como muitas vezes uma ponta, onde foram retiradas lascas nas
duas faces da pedra, permitindo obter um gume mais reto ou mais cortante do que
no chopper primitivo.[13] Walter Neves observa que
os instrumentos desta época não se restringem a machados, mas inclui também
cutelos e picões, porém o nome persiste [14]. As ferramentas
acheulenses cujo instrumento típico é o
machado de mão [15],
podem ser encontradas na África e posteriormente no Oriente Médio e oeste e
norte da Europa mas estão ausentes na Ásia e Indonésia em uma fronteira que
ficou conhecida como “linha de Movius” o que pode mostra que nestas regiões
pode ter ocorrido uma reversão da indústria acheulense trazidas pelas primeiras
ondas migratórias para a região para as ferramentas mais primitivas do tipo
olduvaiense. Outra possibilidade é que estas ondas migratórias tenham se
originado antes que a tecnologia acheulense tivesse se desenvolvido.[16] O surgimento da indústria
acheulense coincide com o surgimento do homo
erectus no leste da África há cerca de 1,8 milhão de anos.[17] Christopher Lepre se refere a ocorrência de tecnologia acheulense
em West Turkana no Quênia datada de 1,76 milhões de anos[18]. A Idade da Pedra Média
(ou MSA) foi um período da pré-história africana entre o início da Idade da
Pedra e o final da Idade da Pedra (LSA). O fim do MSA foi aparentemente um
processo gradual, mas complexo, e não um evento, com o surgimento do LSA
subsequente se desenvolvendo. Considera-se geralmente que o MSA começou por
volta de 280.000 anos atrás e terminou por volta de 50-25.000 anos atrás. Segundo
Christian Tryon embora todos os fósseis primitivos do Homo sapiens sejam
encontrados com artefatos da MSA, é improvável que nossa espécie tenha sido a
autora exclusiva da tecnologia lítica da MSA. Na evidência atual, os locais
mais antigos da MSA na África Oriental, em > 276 mil anos.[19] Há 270.000 anos, na
África central, os machados de mão começaram a desaparecer, substituídos por
uma nova tecnologia, um tipo de machado com os eixos centrais ligados a cabos
de madeira - fazendo um machado verdadeiro e de cabo. O surgimento da indústria
de ferramentas de pedra acheuliana, entre 1,7 e 1,5 m.a.a., constitui uma das
primeiras evidências de comportamento complexo no processo de evolução humana.
O grande avanço tecnológico com a indústria acheuliana foi o início da
fabricação de ferramentas pesadas de formato bifacial. Machados feitos com uma
forma pré-determinada e um alto grau de simetria são a principal característica
da tradição acheuliana. As ferramentas são moldadas através de uma longa
sequência de lascamento com um notável aumento nas habilidades técnicas dos
fabricantes, em comparação com a tradição Oldowan mais antiga, implicando um
alto grau de planejamento e previsão. Rodrigo Domingues mostra que até
recentemente, a função dessas primeiras ferramentas bifaciais permanecia
desconhecida. Um grande número desses artefatos foi encontrado em Peninj, na
Tanzânia, e análises de fitólitos em machados de mão produziram pela primeira
vez evidências inequívocas de sua função como ferramentas para trabalhar madeira.[20] No entanto Verle Roots
considera que a presença de fitólitos e fibras em machados de mão não necessariamente
significa evidência de marcenaria, pois a posição destes resíduos encontrados no
machado, longe de uma borda de trabalho que poderia ter servido para a função
proposta, não parece convincente. Para Verle Rots as fibras, neste caso,
refletiriam o uso de amarrações no cabo do implemento e não a um trabalho na
madeira do cabo.[21]
[1] NEVES, Walter. Assim
caminhou a humanidade, São Paulo:Palas Athena, 2015, p.174; FAGAN, Brian. Los
setenta grandes inventos y descobrimentos del mundo antiguo, Barcelona:Blume,
2005, p. 22
[2] Grande História
Universal: o princípio da civilização, Barcelona:Folio, 2001, p.48
[3] NEVES, Walter. Assim
caminhou a humanidade, São Paulo:Palas Athena, 2015, p.154, 222
[4] SHAPIRO, Harry. Homem,
cultura e sociedade, Lisboa: Fundo de Cultura, 1972, p. 96
[5] GOWLETT, John.
Arqueologia das primeiras culturas. Barcelona:Folio, 2008, p.80; FAGAN, Brian.
Los setenta grandes inventos y descobrimentos del mundo antiguo,
Barcelona:Blume, 2005, p. 23
[6] SHAPIRO, Harry. Homem,
cultura e sociedade, Lisboa: Fundo de Cultura, 1972, p. 96
[7] LEAKEY, Richard. A
evolução da humanidade, Brasília: UNB, 1981, p. 151
[8] CONDEMI, Silvana;
SAVATIER, François. Neandertal, nosso irmão, São Paulo: Vestígio, 2018, p. 142
[9] LEAKEY, Richard.
Origens, Brasília:UNB, 1980, p. 98
[10] STEVERS, Martin. A
inteligência através dos séculos. São Paulo:Globo, 1946, p.103
[11] KI-ZERBO, Joseph,
História geral da África, I: Metodologia e pré-história da África, Brasília :
UNESCO, 2010, p.507; NEVES, Walter. Assim caminhou a humanidade, São
Paulo:Palas Athena, 2015, p.157; FAGAN, Brian. Los setenta grandes inventos y
descobrimentos del mundo antiguo, Barcelona:Blume, 2005, p. 23
[12] SHAPIRO, Harry. Homem,
cultura e sociedade, Lisboa: Fundo de Cultura, 1972, p. 90
[13] VARAGNAC, André, O
homem antes da escrita, Rio de Janeiro:Cosmos, 1963, p. 69; BRISSAUD, Jean
Marc. As civilizações pré-históricas. Rio de Janeiro:Ed. Ferni, 1978, p.32;
HOWELL, Clark. O homem pré-histórico, Rio de Janeiro:José Olympio, 1969, p.106
[14] NEVES, Walter. Assim
caminhou a humanidade, São Paulo:Palas Athena, 2015, p.176
[15] SHAPIRO, Harry. Homem,
cultura e sociedade, Lisboa: Fundo de Cultura, 1972, p. 91
[16] NEVES, Walter. Assim
caminhou a humanidade, São Paulo:Palas Athena, 2015, p.177
[17] NEVES, Walter. Assim
caminhou a humanidade, São Paulo:Palas Athena, 2015, p.187
[18] Lepre, C., Roche, H., Kent,
D. et al. An earlier origin for the Acheulian. Nature 477, 82–85 (2011). https://doi.org/10.1038/nature10372
[19] TRYON, Christian; FAITH, J.
Tyler. Variability in the Middle Stone Age of Eastern Africa. Current
Anthropology, Volume 54, Number S8, December 2013 https://www.journals.uchicago.edu/doi/full/10.1086/673752
[20] M. Dominguez- Rodrigo, J.
Serrallonga, J. Juan-Tresserras, L. Alcala, L. Luque, Woodworking activities by
early humans: a plant residue analysis on Acheulian stone tools from Peninj
(Tanzania), Journal of Human Evolution, Volume 40, Issue 4, 2001, Pages
289-299,https://doi.org/10.1006/jhev.2000.0466.(https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0047248400904664)
[21 Veerle Rots, Philip Van Peer,
Early evidence of complexity in lithic economy: core-axe production, hafting
and use at Late Middle Pleistocene site 8-B-11, Sai Island (Sudan), Journal of
Archaeological Science, Volume 33, Issue 3, 2006, Pages 360-371, https://doi.org/10.1016/j.jas.2005.08.002.
(https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0305440305001718)
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