quarta-feira, 2 de março de 2022

O conflito entre o aristotelismo e o cristianismo na universidade de Paris do século XIII

 

Na Universidade de Paris do início do século XIII os franciscanos adotavam um ensino baseado em Aristóteles, Platão e Santo Agostinho bem como seus comentadores muçulmanos como o neoplatônico Avicena[1], enquanto os dominicanos preferiam um aristotelismo mais rigoroso e determinista de Averrois.[2] Daniel Rops observa que para São Boaventura nos passos de Santo Agostinho, ao contrário de São Tomás de Aquino, a demonstração das verdades da fé é suficiente, pois, não acredita que a razão, por si só, possa conduzir a Deus. [3] Para Aristóteles o cosmos não teria um início ou fim, sendo eterno, em contraposição a cosmologia evolucionária dos pré socráticos. Este era um dos pontos de tensão com a doutrina cristã, baseada no relato bíblico do Genesis que claramente define um momento de criação do universo. Para Aristóteles o universo assume uma natureza imutável e que segue uma cadeia de acontecimentos que seguem uma relação de causa e efeito, com pouco espaço para rompimento desta relação natural e, portanto, para existência de milagres. Um terceiro aspecto da doutrina de Aristóteles era sua conexão com doutrinas astrológicas e a influência dos astros nos destinos da pessoa, que ameaçavam a liberdade de escolha do ser humano, o seu livre arbítrio, essencial para a doutrina cristã de pecado e necessidade de salvação. Estes três aspectos deterministas conferiam ao aristotelismo, tal como ensinado no século XIII, pontos de tensão com a doutrina cristã. Nesta perspectiva determinista de Aristóteles a alma está invariavelmente conectada ao corpo, da mesma forma que a qualidade de estar afiado um machado só faz sentido enquanto o machado fisicamente existir, de modo que na morte o indivíduo se desintegra e simplesmente cessa de existir, o que é claramente incompatível com a doutrina da imortalidade da alma. Na interpretação alternativa de Averrois conhecida como monopsiquismo, a parte imortal da alma é aquela compartilhada por todos os seres humanos, esta sobreviveria à morte, mas não a alma individual pessoal.



[1] LINDBERG, David C. The Beginnings of Western Science. University of Chicago Press. Edição do Kindle. 2007, p.228

[2] COSTA, José Silveira da. A escolástica cristã medieval, Rio de Janeiro, 1999, p.91

[3] ROPS, Daniel. A Igreja das catedrais e das cruzadas. São Paulo: Quadrante, 2012, p. 366



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