quinta-feira, 17 de março de 2022

A dívida da revolução científica com a ciência medieval

 

David Lindberg argumenta que a defesa de um conteúdo revolucionário na ciência do século XVI que a distingue do período medieval tem sido apontada em pelo menos dois pontos de ruptura, o primeiro na eliminação do cisma que havia entre física e matemática e na criação do que chamamos “ciência matemática”. David Lindberg, contudo,  argumenta que o estudo da óptica, mostra que os filósofos medievais,  sem qualquer constrangimento aparente, cruzavam essa fronteira dos dois campos e usavam instrumentos matemáticos em suas pesquisas, de modo que a física matemática certamente não é uma criação do século XVII. O segundo ponto de ruptura que tem sido apontado é o uso do método experimental. Se entendermos o método experimental como uma tentativa de compreensão do comportamento da natureza, do mundo material, sob condições de controle, não será difícil enquadrar o trabalho de astronomia de Ptolomeu e seus instrumentos como um método experimental, ou o trabalho de óptica de Haytham. No século VI o platonista João Filiponio liberou dois objetos de diferentes pesos do alto de uma torre para mostrar o erro da doutrina aristotélica de que a velocidade de descida é proporcional ao peso do corpo. David Lindberg cita outros exemplos com o laboratório de alquimia de Paulo de Taranto. Para David Lindberg, Francis Bacon trouxe na verdade uma nova retórica do conceito de experimento, pois este era um conceito que já era praticado no período medieval. David Lindberg seguindo Alexandre Koyré não acredita em uma revolução científica baseada numa nova metodologia de se fazer ciência, a ruptura ao contrário se enquadra nos conceitos de cosmologia e metafísica. A metafísica teleológica de um universo  orgânico aristotélico é abandonada cedendo lugar a um modelo de filosofia mecânica que entende o universo como mecanicista feito de átomos indivisíveis sem vida própria. O proposito do criador presente em cada elemento da natureza é substituído por um universo movido ao acaso.  Para David Lindberg a revolução científica não representou uma total ruptura com o passado, pois muitas de suas realizações foram alcançadas sob uma fundação medieval: 1) o modelo heliocêntrico de Copérnico foi construído usando os dados astronômicos de Ptolomeu, 2) a teoria da visão baseada na formação da imagem na retina proposta por Kepler teve como ponto de partida o conhecimento árabe, 3) a dinâmica de galileu teve base nos trabalhos de Buridan e Oresme das Universidades de Oxford e Paris, 4) o modelo de coordenadas de Descartes baseou-se no sistema de representação gráfica proposto de Nicole Oresme, 5) a medicina de Galeno dominou a medicina europeia até o século XVII, 6) a filosofia mecânica retomou o atomismo do grego Epicuro: “a revolução científica se desenvolveu dentro de um ambiente humano ideologicamente rico, ela tinha fundações históricas ideologicamente ricas e destas fundações surgiram continuidades”.[1]



[1] LINDBERG, David C. The Beginnings of Western Science. University of Chicago Press. Edição do Kindle. 2007, p.360



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