quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

O papel das negras do tabuleiro nas Minas do século XVIII

 

Em meio ao local de mineração era comum a presença de negras de tabuleiro para venda ambulante de doces e comida, ainda que Russel Wood aponte que algumas pudessem estar relacionadas a prática de prostituição ou ocultação de pepitas de ouro e diamantes encontradas na lavra pelos faiscadores: “As mulheres escravas também tinham uma liberdade considerável, sob o pretexto de especular por ouro. Mestres inescrupulosos enviavam escravas para garimpar ouro, mas não lhes davam nem mesmo uma picareta. No final da semana, o mestre exigia suas receitas, totalmente ciente que estas foram ganhos pela prostituição, em vez de garimpar. Uma variante era o acordo legal entre o mestre e uma escrava que ela seria coartada, ou seja, que ela era obrigada a pagar dentro de um tempo especificado, uma quantidade de ouro mutuamente acordada por ambos partes, ou continuar em cativeiro. Essas escravas perambulavam pelas áreas de mineração, retirando ouro em pó de todas as fontes possíveis”.[1] Muitas negras do tabuleiro eram alforriadas com vendinhas próximas nas zonas de mineração. Em 1753 as Posturas das Câmara de Vila Bela se queixavam das negras que traziam vendas pelas lavras.[2] Russel Wood observa que embora o escravo coartado gozasse de maior mobilidade e não estarem submetidos à supervisão rígida, sua condição não pode ser igualada à liberdade condicional pois ainda eram considerados escravos.[3] Entre 1758 e 1799 em Vila Rica cerca de 48% das alforrias pagas foram por coartação, o que mostra segundo Donald Ramos que em Vila Rica a coartação tornou-se “o meio mais importante de obter a liberdade”.[4] Para o exercício legal como vendedores ambulantes elas tinham de ter uma licença da Câmara Municipal, medida via de regra ignorada.[5] Júnia Furtado mostra que em Serro Frio em 1736 sessenta vendas do pequeno comércio de comestíveis e bebidas eram propriedade de mulheres, a maioria pretas forras ou escravas, o que representa 80% das vendas desse comércio na Comarca. As Devassas Eclesiásticas  aponta mulheres de comércio de tabuleiro junto dos serviços minerais entre as queixas. Tais negras de tabuleiro foram alvo de perseguições acuadas de facilitar extravios e de se envolver em prostituição e desordens.[6] Douglas Libby e Eduardo Paiva mostram que algumas escravas lançavam mão de práticas de concubinato e prostituição para conseguirem libertar-se da condição de escravas.[7] Luciano Figueiredo examina o papel de negras de tabuleiro e vendeiras nas Minas do século XVIII e desfaz o conceito de que haveria possibilidades de democratização e acesso à riqueza, quando na verdade o que havia era um “falso fausto” nos arraiais auríferos.[8]



[1] RUSSELL WOOD, Escravos e libertos no Brasil colônia, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p.66; RUSSELL-WOOD, Anthony J. R. Technology and society: The impact of gold mining on the institution of slavery in Portuguese America. The Journal of Economic History. Cambridge, v. 37, n. 1, mar. 1977, p. 60

[2] RUSSELL WOOD, Escravos e libertos no Brasil colônia, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p.319

[3] RUSSELL WOOD, Escravos e libertos no Brasil colônia, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p.294

[4] RUSSELL WOOD, Escravos e libertos no Brasil colônia, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p.304, 309

[5] RUSSELL WOOD, Escravos e libertos no Brasil colônia, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p.91

[6] FURTADO, Júnia Ferreira. Homens de negócio, São Paulo: Hucitec, 2006, p. 237, 270

[7] NOGUEIRA, André Luis Lima. Entre cirurgiões, tambores e ervas, Rio de Janeiro: Garamond, 2016, p.119

[8] NOGUEIRA, André Luis Lima. Entre cirurgiões, tambores e ervas, Rio de Janeiro: Garamond, 2016, p.111



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