Para os
discípulos de Pitágoras os números eram são constituídos de unidades e,
portanto, qualquer número seria sempre múltiplo da unidade. O mundo perfeito da
matemática era um reflexo da harmonia dos deuses. Da mesma forma que a harmonia
das notas musicais eram baseada em múltiplos inteiros assim tudo no mundo
material poderia ser relacionado aos números inteiros ou passíveis de serem
expressos na forma de fração de inteiros positivos. Se os números naturais, que
para os pitagóricos constituíam a essência da realidade, nem sempre servissem
para encontrar a medida das coisas do mundo real, tampouco eram o meio de
conquistar o conhecimento divino. Os ditos números irracionais, no grego
significavam número sem medida, incomensurável, ao invés de número sem razão, e
estes não se ajustavam a teoria pitagórica, porque não podiam ser representados
pela razão de números inteiros.[1] Originalmente
os gregos se referiam a tais números como alogos e arrhetos ou “não
falável”, ou “inexprimível”.[2] René
Taton admite que a descoberta dos números irracionais pode ter sido causa de
escândalo entre a escola dos pitagóricos por contradizer seus princípios.[3] Por
algum tempo a comunidade dos pitagóricos se esforçou para manter em sigilo a
conclusão de que a raiz de dois era um irracional. Howard Eves se refere a uma
lenda pela qual o pitagórico Hipaso do Metaponto foi lançado ao mar (numa
versão) ou banido da comunidade por revelar o segredo de que haviam números
irracionais (noutra versão).[4] Segundo
Jâmblico, Hipaso de Mataponto “foi tão
odiado que não apenas foi banido da associação e do modo de vida em comum dos
pitagóricos mas até sua sepultura foi construída como se o ex camarada tivesse se afastado da vida em meio á espécie
humana”.[5] A máxima dos pitagóricos previa que “as coisas dos amigos sejam em comum”.[6] Por
algum tempo se acreditou que a raiz quadrada de dois era o único irracional
conhecido, porém, logo se descobriram outros números.[7] Tatiana
Roque[8] argumenta que a prova da incomensurabilidade da raiz quadrada sugere conceitos
que somente se tornaram conhecidos depois dos Elementos de Euclides e argumenta
que segundo Burkert e Knorr a descoberta dos incomensuráves não representou
qualquer escândalo entre os pitagóricos, pois isto não é mencionado por Aristóteles
e Platão, ainda que tal lenda tenha sido difundida entre historiadores como
Tannery, Hasse e Scholz. Deve-se destacar que Aristóteles critica os
pitagóricos e dificilmente teria deixado escapar essa suposta rejeição aos
incomensuráveis como incompatível com sua doutrina. David Lindberg considera sedutor
o argumento de que a crise da descoberta dos irracionais pelos pitagóricos serviu
como um motivador para desenvolvimento da geometria entre gregos, porém entende
que isso não seja a única razão.[9]
A conclusão de irracionalidade da raiz quadrada de dois, por exemplo, mostra a lógica grega como instrumento de análise. Considere que a raiz quadrada de dois possa ser escrita como um número racional, ou seja, exista p e q inteiros tal que raiz quadrada de dois é igual a p/q na forma reduzida. Neste caso p e q não podem ser ambos pares caso contrário sempre será possível dividir ambos por dois e se chegar a uma forma mais reduzida. Considere que p seja ímpar. Ao elevarmos a fração ao quadrado teremos 2q2 = p2 mas como sabemos que p é ímpar e o quadrado de um ímpar também é ímpar então isto não pode ser possível pois se no primeiro lado da equação estamos multiplicando por dois então este número teria de ser par. Assim p não pode ser ímpar. Agora assuma que p é par e que ele, portanto, assuma a forma p=2m assim 2q2 =4m2 ou seja q2=2m2, ora mas sabemos que uma vez que p é par então q é impar e na equação temos um número ímpar igual a um número par o que novamente não é possível. A conclusão deste raciocínio lógico é que não se consegue descobrir p e q inteiros e, portanto, a raiz de dois é um número irracional. [10]
[1] RUSSELL, Bertrand.
História do pensamento ocidental, Rio de Janeiro:Nova Fronteira,2016, p.58
[2] BERLINGHOFF, William;
GOUVEA, Fernando. A matemática através dos tempos, São Paulo: Blucher, 2010, p.
18
[3] TATON, René. A ciência
antiga e medieval, tomo I, livro 2, Sâo Paulo:Difusão Europeia, 1959, p. 33,
35; SOUZA, José Cavalcante. Os pré socráticos: fragmentos, doxografia e
comentários. Coleção os pensadores, São Paulo: Abril Cultural, 1985, p. XIX
[4] EVES, Howard.
Introdução à história da matemática, São Paulo: Unicamp, 2004, p. 107
[5] LIVIO, Mario. Deus é
matemático ? , Rio de Janeiro:Record, 2010, p. 44
[6] MONDOLFO, Rodolfo. O
pensamento antigo v.I. São Paulo:Mestre Jou, 1964, p.282
[7] EVES, Howard. Introdução
à história da matemática, São Paulo: Unicamp, 2004, p. 107
[8] ROQUE, Tatiana.
História da Matemática, Sâo Paulo:Zahar, p. 95
[9] LINDBERG,
David C. The Beginnings of Western Science. University of Chicago Press. Edição
do Kindle. 2007, p.83
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