terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

O estudo de direito na Universidade de Bolonha no século XII

 

Os métodos de ensino nas universidades medievais incluíam a abordagem de perguntas e respostas de Pedro Abelardo no século XII em Sic et non que fomentava debates dos textos. O método foi imitado na Concordância dos cânones discordantes (Concordia discordantium canonum) de Graciano de 1140, professor da Universidade de Bolonha. O livro se tornou referência nas faculdades de Direito[1], posteriormente recebeu o nome de Decreto de Graciano e que junto com a Nova Lógica de Aristóteles será o fundamento do método escolástico de Tomás de Aquino.[2] O Decreto de Graciano não se limitou a mera compilação de textos jurídicos, mas acrescentava um dictum, breve comentário pessoal, a qual resumia as contradições constatadas de modo que no século XII constituiu a principal base para o estudo do direito canônico nas universidades nascentes embora não tivesse caráter vinculante, visto não se tratar de um documento oficial.[3] O texto seria complementado por outros trabalhos na área jurídica como as Decretais de Gregório IX, O Livro Sexto (1298), as Clementinae (1314), as Extravagantes de João XII (1324) e as Extravagantes Comuns do século XV para compor em 1582 o Corpus juris canonici[4] em vigor até 1917. Por volta de 1140 a Universidade de Bolonha destaca-se nos estudos de leis canônicas com Graciano, porém, será com Irnério no período de 1090 a 1130 como professor de direito romano que a universidade se torna um padrão na área. Na segunda metade do século XII, Christopher Dawson destaca o prestígio extraordinário de um doutor em direito civil formado em Bolonha, como se observa em quatro doutores formados na universidade  durante a Dieta de Roncaglia em 1158.[5] O estudo do direito romano com destaque para o jurisconsulto Irnério em Bolonha[6] serão a base das universidades do século XII.[7] O Código de Justiniano (Corpus Iuris Civilis) reencontrado em Ravena foi transferido para Bolonha no século XI, sendo considerada uma espécie de obra sagrada do direito, a revelação da lei e da ordem civil, o que contribuiu para consolidação da cidade como centro de estudos jurídicos, ainda que Odofredo destaque que “Bolonha não é filha de um livro, sua glória não é originada de um acaso”.[8] Em Bolonha tornou-se famosa a associação reunida em torno no mestre jurista Irnério[9] que reeditou em cinco volume o Corpus iuris civilis[10] assim como em Paris a que reunia estudantes em torno de Pedro Abelardo. O Digesto abrange 50 livros, divididos em diversos títulos que constitui a principal parte do Corpus Iuris por conter a doutrina do apogeu do Império e do direito Romano. O desenvolvimento do direito romano em universidades com a de Bolonha aprofundou uma disputa com o direito canônico. Daniel Rops mostra  que de certo modo a luta entre o papado e o Império foi uma luta do direito canônico com o direito romano. A Igreja via com desconfiança o desenvolvimento de um direito que não se baseava nas Escrituras e que não conferia qualquer autoridade doutrinária ao papado. Em 1219 o papa Honório III proibiu aos padres o estudo do direito romano. Em 1235 Gregório IX flexibilizou a regra autorizando aos leigos estudar direito romano em Orleans.[11]

[1] ROPS, Daniel. A Igreja das catedrais e das cruzadas. São Paulo: Quadrante, 2012, p. 273

[2] HASKINS, Charles. A ascenção das universidades, São Paulo: Danúbio, 2015, p.738/1743

[3] GILISSEN, John. Introdução histórica ao direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 1986, p. 148

[4] ROPS, Daniel. A Igreja das catedrais e das cruzadas. São Paulo: Quadrante, 2012, p. 377

[5] DAWSON, Christopher. Criação do Ocidente, São Paulo: É Realizações, 2016, p.228

[6] JANOTTI, Aldo. Origens da Universidade, São Paulo: Edusp,1992, p.97

[7] JANOTTI, Aldo. Origens da Universidade, São Paulo: Edusp,1992, p.79

[8] JANOTTI, Aldo. Origens da Universidade, São Paulo: Edusp,1992, p.100

[9] NUNES, Ruy Afonso da Costa. História da educação na idade média, Campinas:Kirion, 2018, p.227; CHIFFOLEAU, Jacques.  Direito(s) In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean Claude. Dicionário analítico do Ocidente medieval. v.I, São Paulo:Unesp, 2017, p. 385; MORTIMER, Ian. Séculos de transformações. Rio de Janeiro:DIFEL, 2018, p. 73

[10] VERGER, Jacques. Homens e saber na idade média, Bauru:EDUSC, 1999, p. 45

[11] ROPS, Daniel. A Igreja das catedrais e das cruzadas. São Paulo: Quadrante, 2012, p. 378



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