quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

A rusticidade do mobiliário no Brasil colonial

 

A história relatada por Alcântara Machado em Vida e Morte do Bandeirante (1929), mostra quão escasso eram os itens de mobiliário nas residências. O corsário inglês William Dampier em 1699 ao se referir as casa em Salvador refere-se a escassez de mobiliário: “isto é coisa de que os portugueses e espanhóis não se ocupam [...] Verifiquei que em suas fazendas querem grandes casas, mas descuidam inteiramente do mobiliário, a não ser pelo gosto de quadros que aparecem em algumas delas”. [1] Renneford com relação a Pernambuco, Pyrard e Kindersley com relação à Bahia salientam que não havia grande luxo  nas casas quanto a móveis  ou pratas. Lúcio Costa saliente a simplicidade do mobiliário no Brasil colonial: “além do pequeno oratório com o santo de confiança, camas, cadeiras, tamboretes, mesas e ainda arcas”[2]. Ronaldo Vainfas da mesma forma destaca a rusticidade das casas grandes coloniais.[3] Taunay se refere a “toscos bancos e catres, mesas e escabelos como mobília, rudes arcas mal ajustadas, onde se guardava a pouca roupa da família, pois sobremodo escasseava pano”. [4] O capitão mor e padre Guilherme Pompeu de Almeida, banqueiro dos bandeirantes e comerciante de prata, com negócio no Peru[5], um dos homens mais ricos de São Paulo no século XVII tinha em sua casa “camas de alto espaldar, ostentando colchões estofados e travesseiros macios, dignos do mais requintado sibarita”.[6] Sua mansão acomodava mais de cem camas paramentadas com os lençóis mais finos segundo relato de Pedro Taques Leme em seu livro Nobiliarquia Paulistana Histórica e Genealógica[7]. Nas Minas Gerais do século XVIII a posse de mobiliários não fazia parte da maior parte da população, sendo encontrados nas casas poucos “trastes” e demais “recheios da casa” como eram nomeados os móveis e utensílios domésticos em geral. Maria Nizza da Silva, Sheila de Castro Faria e Emanuel Araújo mostram que a ausência de móveis e utensílios domésticos denota a rusticidade das casas e se estende a outras partes da colônia no século XVIII e não apenas a Minas Gerais.[8] Afonso Taunay ao examinar os livros de negócios de Guilherme Pompeu encontrou descrições mais modestas o que sugere o ar triunfalista da elite paulista tal como exposta no livro de Pedro Taques.[9] Segundo José de Almeida dos Santos os móveis nacionais “eram toscos, trabalhados com ferramentas inadequadas como a enxó e tomavam o feitio robusto que se pode verificar nas manifestações mobiliárias até o fim do século XVII”.[10] O inconfidente Claudio Manuel da Costa, um alto funcionário público, teve confiscados em 1789 seu mobiliário que incluía vinte e oito cadeiras, trinta e dois bancos, dois leitos, duas cômodas, dois armários, duas estantes, móveis de jacarandá entre outras peças.[11] No inventário de Joaquim José da Silva Xavier consta uma cama de vento, ou seja, uma cama portátil, dobrável, feita de lona e usada em acampamentos.[12]



[1] LIMA, Heitor Ferreira. Formação industrial do Brasil, Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961, p. 223; BOXER, Charles. A idade de ouro do Brasil. São Paulo:Cia Editora Nacional, 1969, p. 149

[2] FREYRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala, São Paulo; Global, 2006, p. 520, 560

[3] NOVAIS, Fernando. História da vida privada no Brasil , v.1, São Paulo:Companhia das Letras, 2018. Edição do Kindle, p.166

[4] LIMA, Heitor Ferreira. História Político econômica e industrial do Brasil, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1970, p. 90

[5] TOLEDO, Roberto Pompeu de. A capital da solidão, Rio de Janeiro: Objetiva, 2012, p. 224

[6] LIMA, Heitor Ferreira. Formação industrial do Brasil, Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961, p. 226

[7] TOLEDO, Roberto Pompeu de. A capital da solidão, Rio de Janeiro: Objetiva, 2012, p. 227

[8] NOGUEIRA, André Luis Lima. Entre cirurgiões, tambores e ervas, Rio de Janeiro: Garamond, 2016, p.113

[9] TOLEDO, Roberto Pompeu de. A capital da solidão, Rio de Janeiro: Objetiva, 2012, p. 239

[10] LIMA, Heitor Ferreira. Formação industrial do Brasil, Rio de Janeiro:Fundo de Cultura, 1961, p. 228

[11] LIMA, Heitor Ferreira. Formação industrial do Brasil, Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961, p. 227

[12] NOVAIS, Fernando. História da vida privada no Brasil , v.1, São Paulo:Companhia das Letras, 2018. Edição do Kindle, p.71



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