Na reconquista cristã de Toledo na Espanha em 1085 por Afonso VI rei de Castela, a cidade tornou-se um centro de traduções onde sob iniciativa do monge beneditino e arcebispo de Toledo, Raimundo de Sauvetat (figura) (1126-1151) foi estabelecida uma escola de tradutores e em que muitos monges tiveram acesso as obras dos clássicos gregos traduzidas para o árabe, o que permitiu o acesso a um conhecimento que havia se perdido durante o período romano e bizantino[1] bem como da cultura árabe, entre as quais as obras de Al Kindi, Al Farabi, Al Battani, Avicena, Ibn Gebirol e Al Ghazali.[2] Entre as obras traduzidas encontram-se, por exemplo o Almagesto de Ptolomeu[3] traduzido por Eugênio de Palermo[4]. Frances Gies destaca que com a reconquista, mais do que uma vitória militar, os cristãos ganharam um “tremendo prêmio cultural” pois, na época o declínio de Bagdá havia tornado a cidade um importante centro de conhecimento islâmico.[5] Alguns tradutores do latim, mesmo com as versões gregas dos textos disponíveis, preferiam muitas vezes as versões em árabe porque os sábios muçulmanos agregavam comentários e corrigiam o texto antigo. Qusta ibn Luqa (820-912) traduziu o texto grego Aritmetica de Diofanto para o grego reformulando o texto em torno da nova disciplina da álgebra de Musa al Khwarizmi[6]. Vários tradutores acorriam a Toledo, reunindo judeus, árabes, gregos, espanhóis, italianos e ingleses demonstrando o caráter cosmopolita do movimento. Entre os eruditos que passaram por Toledo encontram-se o inglês educado na França, Adelardo de Bath, os ingleses Roberto de Chester, Daniel de Morlay, Alfredo Sereshel e Alexandre Neckham, os italianos Gerardo Cremona (tradutor do Almagesto de Ptolomeu e diversas outras obras em medicina e ciências)[7] e Platão de Tivoli, o escocês Miguel Escoto[8], entre outros.[9] Entres os judeus espanhóis destacaram-se Avicebron (1022-1070) de Málaga, que influenciou os escolásticos cristãos, Maimônides (1135-1204) de Córdoba, com trabalhos em filosofia e medicina, Averrois de Córdoba (1126-1198). A Espanha do século XIII, em especial sob o reinado de Alfonso X o Sábio (1252-1284) representou o apogeu da tolerância e da troca de conhecimentos entre as três grandes religiões: cristianismo, judaísmo e islamismo.[10] Henry Kamen também destaca o período de tolerância dos muçulmanos para com os cristão da península ibérica ocupada pelos mouros. Os cristãos existiam sob o governo dos mouros e eram conhecidos como mozárabes que tinham o estatuto jurídico de dhimmis, que partilhavam com os judeus, como Povo do Livro, de modo que sua cultura, organização política e prática religiosa eram admitidas, e tinham alguma cobertura legal. Córdoba foi reconquistada pelos cristãos em 1236 e Sevilha em 1248. A invasão dos mongóis em Bagda em 1258 e de Damasco dois anos depois, aliado à influência de filósofos conservadores como Abu Hamid al Ghazali significou um duro golpe a atividade científica islâmica.[11]
[1] MAHAJAN, Shobhit.
História das invenções, Berlim:Verlag, 2008, p. 30
[2] DAWSON, Christopher. Criação do Ocidente, São Paulo: É Realizações, 2016, p. 235
[3] MOSLEY, Michael.Uma
história da ciência. Rio de Janeiro:Zahar, 2011, p. 23
[4] TATON, René. A ciência
antiga e medieval: a idade média, tomo I, livro 3, Sâo Paulo:Difusão Europeia,
1959, p. 112
[5] GIES, Frances & Joseph.
Cathedral, forge and waterwheel, New York: Harper Collins, 1994, p. 106
[6] HAQ, Syed Nomanul. Mito
4: que a cultura medieval islâmica era hostil à ciência. In: NUMBERS, Ronald.
Terra plana, Galileu na prisão e outros mitos sobre a ciência e religião, Rio
de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2020, p. 60
[7] GUICHARD, Pierre. Islã. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean Claude. Dicionário analítico do
Ocidente medieval. v.I, São Paulo:Unesp, 2017, p. 713
[8] COSTA, José Silveira
da. A escolástica crsitã medieval, Rio de Janeiro, 1999, p.63
[9] NUNES, Ruy Afonso da
Costa. História da educação na idade média, Campinas:Kirion, 2018, p.208
[10] RESTON, James. Os cães
do senhor. São Paulo:Record, 2008, p. 26
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