Para Cesare Cantu: “A escolástica corresponde no campo
intelectual, ao feudalismo no campo político; é uma isolação na qual o homem
fortifica a cabeça pela contemplação racional do infinito”. A busca dos
escolásticos de conciliar a fé com a razão levou ao homem a confiança nesta
unidade, de que havia um sistema lógico explicativo da natureza passível de ser
assimilável pelo homem: “esta unidade
contribui para habituar as inteligências modernas a uma maneira de raciocinar
sucinta, à ordem e à economia das ideias, a um método constante; elas puderam
deste modo desenvolver os pensamentos morais e metafísicos de que a escolástica
tinha semeado os germes, mudando a forma, não obstante conservar-lhe o fundo”. [1] O método
escolástico previa a leitura – lectio
dos argumentos com comentário – quaestio e análise do texto bem como
seus fundamentos e um segundo momento para a disputatio – debate sobre o argumento inicialmente colocado e
contra argumentação e as questões quaestio
levantadas[2]. O
processo termina com uma exegese - a sententia na qual se discute os
argumentos dos comentadores aprovados como autoridades no tema.[3] Neste
debate a escolástica usava de dialética, isto é, uma forma de se provar certa
proposição com base em argumentos contrários a ela[4]. Segundo
Roberto de Sorbonne: “nada pode ser conhecido perfeitamente antes de ter
sido ruminado pelos dentes da disputatio”.[5] Tomás de
Aquino explica que “assim como um juiz não pode sentenciar em um Juízo até
haver escutado as duas partes, assim o homem que estuda a filosofia julga
melhor se observa o choque das ideias, como o de dois adversários em luta”.[6] Ricardo
da Costa :”para os medievais, ler sem
julgar era a mesma coisa que comer sem dizer o que achou do que comeu ... Todos
os pedagogos medievais consideravam essa função essencial – e somente este
aspecto do estudo da gramática nos mostra o quanto regredimos hoje”.[7] Para Hilário Júnior a idade média é a matriz da civilização ocidental. A
aceitação de uma unidade cosmológica e de um racionalismo teórico permitiu
lançar os fundamentos da ciência.[8] Franco
Alessio mostra que o modelo da lectio
e quaestio escolástico embora à
primeira vista possa se aproximar dos diálogos de Platão, na verdade, dele se
afasta pois na escolástica o interlocutor imaginado pelo mestre não colabora
com sua pesquisa mas se coloca em contraposição ao texto da “autoridade”:
“o escolástico surge nesse combate como
um paladino armado de lógica, que batalha tal como o cavaleiro e que exorciza
tal como o padre”. A escolástica, portanto, é um produto de sua época. [9] Para
Daniel Rops: “a fé, bem longe de ser esterilizante, era o fermento que
atuava na massa, obrigando-a crescer”.[10] Franco
Alessio observa que embora a escolástica marque o triunfo das doutrinas de
Aristóteles, tal base filosófica não alcança uma unidade geral: “a doutrina aristotélica é a base comum dos
escolásticos, sem, contudo, constituir uma unidade efetiva ou intrínseca”.
A unidade escolástica, contudo, reside inteiramente no método de análise dos
textos canônicos e menos na doutrina.[11]
[1] CANTU, Cesare. História
Universal, volume XIV, São Paulo:Editora das Américas, 1955, p. 339
[2] FOSSIER, Robert. O
trabalho na idade média. Rio de Janeiro: Vozes, 2018, p. 225; ROPS,
Daniel. A Igreja das catedrais e das cruzadas. São Paulo: Quadrante, 2012, p.
349
[3] MANGUEL, Alberto. Uma
história da leitura, São Paulo: Cia das Letras, 1997, p. 96
[4] JUNIOR, Hilário Franco.
A idade média nascimento do Ocidente. São Paulo:Brasiliense, 1986, p. 142
[5] DAWSON, Christopher. Criação do Ocidente, São Paulo: É Realizações, 2016, p.233
[6] AQUINO, Felipe. Uma
história que não é contada, Lorena: Cleofas, 2008, p. 131
[7] COSTA, Ricardo da;
VENTORIM, Eliane; FILHO, Orlando Paes. Monges medievais, São Paulo:Planeta,
2004, p.10
[8] JUNIOR, Hilário Franco.
A idade média nascimento do Ocidente. São Paulo:Brasiliense, 1986, p. 170
[9] ALESSIO, Franco. Escolástica. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean Claude. Dicionário analítico do
Ocidente medieval. v.I, São Paulo:Unesp, 2017, p. 418
[10] ROPS,
Daniel. A Igreja das catedrais e das cruzadas. São Paulo: Quadrante, 2012, p.
352
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