Para Hooykaas, Paracelso eliminou a fronteira entre arte (techné – técnica) e a natureza, ou seja, os procedimentos artificiais de um alquimista estavam baseados em procedimentos naturais de modo que não apenas a natureza é capaz de transformar a matéria mas esse processo pode ser reproduzido pelos experimentos alquímicos, o que contribuiu para uma maior abertura que levaria ao domínio da ciência.[1] Os manuais médicos do século XV expunham a teoria humoral, da seguinte forma: o primeiro humor é a bílis, se encontra na vesícula biliar, a qual deriva do fogo. O segundo humor é o sangue, derivado do ar devido à combinação do calor com a umidade, tem sua origem no fígado. O terceiro humor, a fleuma, deriva da água é criada da combinação do frio e da umidade, encontrando-se nos pulmões. Por último, o quarto humor, a bílis negra, que se origina da terra, está localizado no baço. Segundo a teoria de Hipócrates que a bile negra (melagkholia formado pelas palavras melas – negro, Kholé – bile, de onde se formou a palavra melancolia) está no corpo temos a doença sagrada ou epilepsia, quando ela atinge o cérebro temos a melancolia.[2] Embora semelhante a doutrina dos quatro humores de Hipócrates[3] e Galeno e a dos quatro elementos de Aristóteles a teoria iatroquímica de Paracelso tinha como diferencial a busca de novos medicamentos a partir de elementos químicos inorgânicos e seu uso na medicina[4] e não apenas a mera identificação de ervas e minerais em estado bruto das teorias anteriores[5], destacando a importância dos estudos farmacológicos[6] onde a cura seria o restabelecimento da composição química natural do corpo humano. Numa época em que todos os remédios eram obtidos a partir da natureza Paracelso propunha a busca de remédios minerais e metálicos pregando a doutrina de remédios específicos para cada doença[7], sendo o primeiro a usar o lápis infernalis uma mistura de nitrato de prata.[8] Paracelso colocou a química a serviço da medicina, numa teoria mais tarde denominada iatroquímica, uma concepção que se opunha tanto à alquimia como as métodos de Galeno, inspirado por uma conotação fortemente neoplatônica e precursora da técnica de extração do princípio ativo das plantas: “a essência propriamente dita das coisas não está na matéria mas num princípio imaterial que lhe é inerente, uma força divina, chamada também de quintaessência que permite às outras forças que se desenvolvam”.[9] Esta quintessência extraída das coisas onde estará confinada a “força da virtude” em um espírito similar ao “espírito da vida”, se assemelha ao que hoje a medicina conhece como princípio ativo das substâncias.[10]
[1] HOOYKAAS, R. A religião
e o desenvolvimento da ciência moderna, Brasília:UNB, 1988, p.83
[2] FABIANI, Jean Noel; BERCOVICI, Philippe.
A incrível história da medicina,Porto Aegre: LP&M, 2021, p. 127
[3] ABRIL Cultural,
Medicina e Saúde. História da Medicina, v.I, São Paulo, 1970, p. 23
[4] FARIAS, Robson
Fernandes. Paracelsus e a alquimia medicinal, São Paulo: Gaia, 2006, p.13;
MACHADO, Jorge. O que é alquimia ? Coleção primeiros passos, São Paulo:
Brasiliense, 1991, p. 29
[5] REDGROVE, Stanley. Joannes Baptista van Helmont: alchemist, physician
and philosopher, London:William Rider & Sons, 1922, p. 5,
http://www.forgottenbooks.com
[6] MIRANDA. Carlos Alberto
Cunha. A arte de curar nos tempos da colônia. Recife:UFPE, 2017, p.40
[7] EDLER, Flavio Coelho.
Boticas & Pharmacias: uma história ilustrada da farmácia no Brasil, Rio de
Janeiro: Casa da Palavra, 2006, p. 40
[8] SARTON, George. Six wings, men of science in the Renaissance,
Bloomington: Indiana University Press, 1957, p. 181
[9] MANGOLD, Lydia Mez.
Imagens da história dos medicamentos, Basileia:Hoffman La Roche, 1971, p.112
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