Marc Bloch observa a ocorrência de falsificações piedosas tais como a pseudo doação de Constantino (Constitutum Donatio Constantini) ao papa Silvestre I em 315, uma falsificação que data do século VIII e em que foi confirmada a fraude somente em 1440 por Lorenzo Valla[1] em seu Tratado sobre a Doação de Constantino. O autor da Doação de Constantino cometeu erros crassos como usar o termo “diadema” com o significado de coroa de ouro quando na época o termo significava um pano grosseiro, e que o termo “tiara” não era usado na época, entre várias outras contradições que mostravam de forma incontestável que não poderia ter sido escrito antes do século VIII e jamais se tratar de um texto do século IV. Dizia-se que Constantino fora motivado pelo agradecimento a Silvestre I por tê-lo curado da lepra e o convertido ao cristianismo.[2] Quando em 756 Pepino o Breve fez um acordo franco papal que doava terrenos à igreja confirmado por Carlos Magno[3] ele estaria meramente restituindo à Igreja o que Constantino havia dado[4], dando origem ao Estado Pontifício[5]. Em troca Pepino recebeu o título de patricius romanus e o compromisso dos francos de que nunca escolheriam um rei que não fosse de suas descendência[6]. Nicolau de Cusa na mesma época já apontava o fato de que o bispo Eusébio de Cesareia biógrafo de Constantino não menciona tal doação do imperador. De fato Constantino doara ao bispo de Roma o palácio de Latrão e o ducado de Roma, mas não há qualquer prova de doação de toda a Itália e as províncias ocidentais.[7] Para Silvester Prierias (1456-1523) a doação de Constantivo não foi propriamente uma doação mas uma restituição “non est donatio sed restitutio”.[8] Os compiladores do Liber Pontificalis indicam listas de propriedades dos bispos romanos de 314 a 440 d.c com doações à Igreja entre as quais incluem doações de Constantino, do senador galicano, de uma mulher da alta sociedade Vestin e vários bispos de Roma[9]. A doação de Pepino aconteceu depois do papa Estevão II de Roma ter seu apelo de apoio de Constantinopla negado por Constantino V, o que o fez a buscar aliança com os lombardos. A ideia essencial do documento era a de excluir os bizantinos de qualquer poder sobre a península itálica[10]. Outras falsificações medievais, além da doação de Constantino, incluem as falsas decretais[11] de 850 de Isidoro de Sevilha que serviu aos interesses dos bispos em restabelecer sua autoridade perante os arcebispos, diante do desmembramento do império carolíngio, e que muito embora denunciadas mais tarde como espúrias por Marsílio de Pádua continuaram sendo citadas até o século XVII pois incluíam algum material autêntico[12]. Com as falsas capitulares do diácono Bento, formou-se uma verdadeira “indústria dos falsários”. Daniel Papebroch (1628-1714) e Jean Mabillion (1632-1707) elaboraram normas de detecção de documentos forjados aplicados especialmente a biografia de santos cristãos.[13]
[1] CORNELL, Tim; MATHEWS,
John. Renascimento v.II, Grandes Impérios e Civilizações, Lisboa:Ed. Del Prado,
1997, p. 117
[2] BOORSTIN, Daniel. Os
descobridores, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1989, p.520
[3] JUNIOR, Hilário Franco.
A idade média nascimento do Ocidente. São Paulo:Brasiliense, 1986, p. 90
[4] JUNIOR, Hilário Franco.
A idade média nascimento do Ocidente. São Paulo:Brasiliense, 1986, p. 96
[5] JÚNIOR, Hilário Franco.
A idade média nascimento do Ocidente, São Paulo:Brasiliense, 2004, p.57
[6] DURANT, Will. História
da Civilização, A idade da fé, tomo II, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1957,
p.249
[7] FLORI, Jean. Jerusalém
e as cruzadas. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean Claude. Dicionário analítico do
Ocidente medieval. v.II, São Paulo:Unesp, 2017, p. 24
[8] HOFFNER, Joseph.
Colonialismo e evangelho, São Paulo: Presença 1973, p.42
[9] CORNELL, Tim; MATTHEWS,
John. Roma: legado de um império, v. II, Lisboa:Edições del Prado, 1996, p. 200
[10] BALARD, Michel.
Bizâncio visto do Ocidente. In: LE GOFF, Jacques;
SCHMITT, Jean Claude. Dicionário
analítico do Ocidente medieval. v.I, São Paulo:Unesp, 2017, p. 150
[11] PERROY, Edouard. A idade média: preeminência das civilizações orientais, tomo
III, v. I, São Paulo: Difusão, 1974, p. 148
[12] ARNALDI, Girolamo. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean Claude. Dicionário analítico do
Ocidente medieval. v.I, São Paulo:Unesp, 2017, p. 642; LOYN, Henry. Dicionário
da idade média. Rio de Janeiro:Jorge Zahar, 1997, p.116; DURANT, Will. História
da Civilização, A idade da fé, tomo II, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1957,
p.336
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