sábado, 15 de janeiro de 2022

O Tratado de Methuen e o ouro do Brasil

 

A política mercatililsta obrigava o Brasil a adquirir todas suas importações de Portugal[1]. O Tratado assinado pelo embaixador britânico em Portugal John Methuen foi criticado pelos whigs no Parlamento britânico. A compra dos vinhos franceses havia sido suspensa com a guerra contra França e Espanha no século XVII. Adam Smith em a Riqueza das Nações denuncia o Tratado como prejudicial aos interesses ingleses: “se os vinhos da França são melhores e mais baratos seria mais vantajoso para a Grã Bretanha comprar o vinho que pudesse da França do que o de Portugal” , por outro lado Adam Smith salienta que no comercio global dos dois países o volume de vendas da Inglaterra seria maior do que o volume de compras com o que a diferença em ouro e prata redundaria em favor da Inglaterra.[2] Mesmo em 1836 lorde Palmerston ainda se via obrigado a defender o Tratado junto ao parlamento inglês.[3] Na sessão da Câmara brasileira de 2 de abril de 1845 o deputado Saturnino de Sousa e Oliveira descreve que o saldo do Tratado de Methuen foi negativo para a Inglaterra e cita Hume em seu ensaio sobre o resultado para balança de pagamentos entre Inglaterra e Portugal: “o que nós lucramos foi perdermos os mercados franceses para as nossas manufaturas e transferirmos todo o comércio de vinhos para Portugal e Espanha, onde compramos muito pior vinho por mais alto preço”.[4] Para o embaixador Álvaro Teixeira Soares os males como prejudicial à Portugal atribuídos ao Tratado de Methuen surgiram de uma historiografia francesa antidinastia de Bragança.[5] Para o historiador português Joao Lúcio de Azevedo “visto à luz dos fatos, e racionalmente considerado, o tratado de Methuen foi como afirmava Adam Smith certamente vantajoso para Portugal [...] não tardaram os ingleses a reconhecer que dele não auferiam todas as vantagens , que a princípio tinham imaginado” uma vez que os portugueses comerciavam com os holandeses tecidos de melhor qualidade que os ingleses, no entanto o próprio João Lúcio Azevedo reconhece o saldo era comercial à Inglaterra chegava a ser duas vezes o valor de suas importações (a Inglaterra comprava muito pouco de Portugal), diferença que Portugal cobria com o ouro vindo do Brasil. O desenvolvimento industrial português foi esterilizado.[6] Para o diplomata Luís Cunha o Tratado de Methuen tornava Portugal a melhor e mais rendosa colônia da Inglaterra.[7] Jaime Cortesão entende que o tratado ao proporcionar um quase monopólio do comércio em Portugal, trazia claras vantagens à Inglaterra que ainda se beneficiava com o monopólio do tráfico dos produtos coloniais entre os continentes (açúcar, chá, cacau e tabaco) e do tráfico de negros. Jaime Cortesão aponta que Portugal chegou mesmo a importar produtos como trigo, cevada, farinha, queijos, carnes e até mesmo azeite.[8] Para Pombal “não foi o tratado de Methuen a causa de tais efeitos perniciosos, mas as infrações e abusos” ou seja, a maior oposição ao tratado vinha dos mercadores estrangeiros contrabandistas que atuavam em Lisboa e que abusavam de seus privilégios de cidadãos ingleses trazendo produtos da Inglaterra ilegalmente.[9] Numa suposta carta escrita pelo marquês de Pombal a Lord Chattam ele conclui: “Há cinquenta anos, tendes tirado de Portugal mil e quinhentos milhões, soma enorme e tal que a História não aponta igual com que uma só não tenha enriquecido a outra. O modo de hevere esses tesouros vos tem sido mais favorável ainda que os mesmos tespuros; porque é por meio das artes que a Inglaterra tem se ornado senhora de nossas minas e nos despoja regularmente de seus produtos. Um Mês depois que a frota do Brasil chega, já dela não há uma só moeda de ouro em Portugal. A maior parte dos pagamentos a Inglaterra o faz com o nosso ouro, por meio de uma estupidez nossa de que não há exemplo em toda a história universal do mundo econômico”.[10] O tom isolente e agressivo da carta denunciam segundo Lucio Azevedo que se trata de uma carta claramente apócrifa[11]. Para o Brasil, Roberto Simonsen destaca o dinamismo à economia colonial brasileira e ao mercado interno: “Esse ouro teve resultados bem diversos; se não ficou incorporado em empreendimentos de grandes resultados para o futuro, incentivou, no entanto, uma vultosa emigração para o centro sul do país, permitiu a construção de nossas primeiras cidades do interior, criou um grande mercado de gado e de tropas, estimulando os paulistas à ocupação e conquista definitiva das regiões do Sul, tornou o Rio de Janeiro a capital brasileira, permitiu a concentração e formação de capitais em escravos e tropas que, mais tarde, facilitaram a implantação da lavoura de café no Vale do Paraíba e nas regiões fluminenses”.[12]

[1] EISENBERG, Peter. Modernização sem mudança: a indústria açucareira em Pernambuco 1840-1910. São Paulo: Unicamp, 1977, p.30

[2] MARTINS, Wilson. História da inteligência brasileira, v.I (1550-1794), São Paulo:USP, 1976, p. 289

[3] FIORE, Elizabeth. Presença britânica no Brasil (1808-1914). São Paulo:Pau Brasil, 1987, p. 20; SODRE, Nelson Werneck, as razões da independência, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira,1978, p.11, 19

[4] MARTINS, Wilson. História da inteligência brasileira, v.I (1550-1794), São Paulo:USP, 1976, p. 291

[5] SOARES, Álvaro Teixeira. O marquês de Pombal. Brasília: UNB, 1961; GARCIA, Fernando Cacciatore. Como escrever a história do Brasil, Porto Alegre: Sulina, 2014, p. 399

[6] MARTINS, Wilson. História da inteligência brasileira, v.I (1550-1794), São Paulo:USP, 1976, p. 292

[7] CORTESÃO, Jaime. Alexandre Gusmão e o Tratado de Madrid, v.I, São Paulo: Funag, 2006, p.95

[8] CORTESÃO, Jaime. Alexandre Gusmão e o Tratado de Madrid, v.I, São Paulo: Funag, 2006, p.24, 72

[9] MAXWELL, Kenneth. A devassa da devassa, Rio de Janeiro1985, p. 38

[10] DRUMMOND, Aristoteles. Minas história, estórias, evocações, cultura, personalidades e economia,Belo Horizonte: Armazém de Ideias, 2002, p.25

[11] AZEVEDO, Lúcio. O marques de Pombal e sua época. Rio de Janeiro: Anuário Brasileiro, 1909, p. 217  https://ia800208.us.archive.org/12/items/omarqusdepomba00azevuoft/omarqusdepomba00azevuoft.pdf

[12] DRUMMOND, Aristoteles. Minas história, estórias, evocações, cultura, personalidades e economia,Belo Horizonte: Armazém de Ideias, 2002, p.25



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