quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

O regicídio e a expulsão dos jesuítas

 

Quando do atentado do rei de Portugal D. José em setembro de 1758 Pombal lançou suspeitas sobre o envolvimento de padres jesuítas desencadeando uma perseguição que iria culminar em 1759 com a extinção da Companhia de Jesus em Portugal.[1] Em janeiro de 1759 seis nobres e cinco plebeus foram executados acusados de participar da tentativa de assassinato. O jesuíta Gabriel Malagrida, confessor de uma das nobres executadas marquesa de Távora, também teria participação no atentado, segundo Pombal. Para o padre Gabriel Malagrida, que esteve em missão no Maranhão e Bahia, o terremoto de Lisboa de 1755 fora um sinal da indignação de Deus aos escândalos de desordens da Corte uma vez que nas cidades vizinhas, onde a ruína não foi tão grande, “fizeram e ainda fazem maravilhas de penitências, pés descalços, cruzes, açoites, jejuns a pão e água e outras mortificações infinitas”.[2] Segundo Malagrida em “O Juízo da verdadeira causa do terremoto que padeceu a corte de Lisboa” a causa do terremoto  “[…] não são Cometas; não são Estrelas; não são vapores, ou exalações, não são Fenômenos, não são contingenciais ou causas naturais; mas são unicamente os nossos intoleráveis pecados”. Como forma de aplacar a ira de Deus, Voltaire em Cândido publicado em 1759 relata a realização de um ato da fé em Lisboa de modo a evitar a repetição do terremoto do 1755: “decidiu-se na Universidade de Coimbra que o espetáculo de algumas pessoas queimadas aos poucos na fogueira em uma grande cerimônia é o segredo infalível para impedir que a terra trema”.[3] Essa passagem, reproduzida por Fernando Cacciatore como histórica, na verdade é trecho de uma estória ficcional do conto de Voltaire, ao contrário, houve uma mobilização intensa para abrigo e assistência à população atingida.[4] Francisco Bethencourt mostra que enquanto a média de processos por ano em Lisboa eram de 37 no período 1675-1750, este número cai à metade e chega a 18 entre 1751 e 1767, ou seja, após o terremoto o número de processos diminuiu[5]. O marquês de Pombal em 1759 decide expulsar os jesuítas do Brasil, em 1768 irá suprimir a diferença entre cristãos novos e cristãos velhos e em 1769 transformar o tribunal da Inquisição em tribunal dependente do governo real reforçando o poder central e secularizando a justiça. Segundo Oliveira Martins: “Abolindo as distinções entre cristãos novos e velhos, abolindo a escravidão no reino, equiparando os canarins [nascidos nas ilhas Canárias] aos portugueses, dando por uma vez a liberdade aos índios do Brasil – o reformador nivelava todas as classes perante o trono absoluto, varrendo parte do sistema de categorias individuais legado pelas tradições da Idade Média”[6]. Ao combater o poder religioso dos jesuítas e do Santo Ofício, a tirania absolutista de marquês de Pombal se constitui um “instrumento de liberdade” nas palavras de Oliveira Martins.[7] Gabriel Malagrida foi entregue ao tribunal do Santo Ofício de Lisboa acusado de heresia e posteriormente condenado ao garrote e fogueira em 1761, no Rossio, a praça principal de Lisboa.[8] Para José Eduardo Franco, a morte de Malagrida resultado da perseguição aos jesuítas imposta por Pombal representou foi um ato o qual “simbolizando a fogueira que o queimou a destruição de toda a Companhia de Jesus”[9]. Em 1777, após a queda de Pombal o padre Pedro Homem denunciou que o livro sobre Santa Anna onde supostamente o padre Malagrida teria feito profecias contra a Igreja identificando-a como o anti Cristo, que fundamentou o processo de heresia, na verdade foi uma construção arquitetada por Pombal: “Quanto á obra sobre o Anti-christo—acrescentou o padre Homem, não foi auctor d'ella Malagrida ; mas sim o infame padre Platel, o ex-capuchinho Norbert, estipendiado por Pombal para caluniar os seus adversários. Este miserável recebia pelo seu infame mister uma pensão de 1:300$000 rs.”[10].  Entre a sentença dos Távaros incriminando judicialmente os jesuítas e 1773 quando a Companhia foi extinta por Roma, houve uma campanha antijesuítica capitaneada pelo marquês de Pombal, ao ponto de José Eduardo Franco se referir a um “antijesuitismo de Estado”. Numa das imagens da época Pombal aparece como o herói iluminado a vencer o monstro da Ordem dos Jesuítas, representado por uma Hidra de Lerna que Hércules exterminou em um de seus doze trabalhos, demonstrando o pioneirismo português no extermínio do mal jesuítico. Muitos dos livros antijesuítas eram impressos em Roma com falsas indicações de terem sido impressos em Paris, Lisboa, Genova, Veneza, Nápoles para inflar a rede de oposição aos jesuítas. Miguel Sotto Mayor sugere que esta campanha envolveu a negociação da ilha de Santa Catarina aos espanhóis ocupada por tropas do general Ceballos entre 1762 e 1777. Pombal teria proposto a invasão dos Estados Pontíficios para forçar o papa a decretasse o fim da ordem dos jesuítas.[11] Pedro Ceballos foi governador da Província de Buenos Aires de 1757 a 1766, e com a criação do Vice-Reinado do Rio da Prata, em 1776, foi nomeado seu primeiro vice-rei. Na França a ordem dos jesuítas  foi extinta em 1764, na Espanha em 1767, Nápoles e Sicília em 1768.[12] Entre as colônias espanholas, os jesuítas da cidade de Assunção do Paraguai que trabalhavam com povos guaranis já haviam sido expulsos do colégio em 1612, 1649, 1724 e 1732 de modo que esta será quinta expulsão.[13] O papa Clemente XIV tendo cedido as pressões e "em nome da paz da Igreja e para evitar uma secessão na Europa" suprimiu a Sociedade de Jesus pelo breve Dominus ac Redentor de 21 de julho de 1773, ano em foi decretada a abolição da escravatura em Portugal. Para José Franco o ato representou uma vitória do pensamento iluminista contra a Igreja redefinindo as relações entre Igreja e Estado no caminho da secularização da sociedade. Wilson Martins observa que o fato de uma das principais aplicações da triaga brasílica fabricada pelos jesuítas era como antídoto a envenenamentos, alimentava no imaginário popular as suspeitas contra os jesuítas de terem envenenado o papa Clemente XIV, poucos meses depois, em 1774. O marquês de Pombal ao saber da morte do papa acusa os jesuítas “que o teriam envenenado com a sua mítica e indetectável acqua toffana para vingar esta medida papel [a extinção da Ordem dos jesuítas]”. [14]

[1] TOLEDO, Roberto Pompeu de. A capital da solidão, Rio de Janeiro: Objetiva, 2012, p. 240

[2] MURY, Paulo. Historia de Gabriel Malagrida. Lisboa, 1825 p.xxi http://etnolinguistica.wdfiles.com/local--files/biblio%3Amury-1875-malagrida/historiadegabrie00mury.pdf

[3] GARCIA, Fernando Cacciatore. Como escrever a história do Brasil, Porto Alegre: Sulina, 2014, p. 105

[4] MARQUES, José Oscar. Voltaire e um episódio da história de Portugal. Workshop Intelectuais e poder: elementos para a análise do discurso político, Universidade Estadual de Londrina, 10 de setembro de 2004, Mediações: Revista de Ciências Sociais, Londrina, v.9, n.2, p.37-52 https://www.unicamp.br/~jmarques/pesq/VoltaireHistPort.pdf

[5] BETHENCOURT, Francisco. História das inquisições, São Paulo: Cia das Letras, 2000, p. 315

[6] MARTINS, Oliveira. História de Portugal, Lisboa:Versial, 2010, p. 364, Edições Kindle

[7] MARTINS, Oliveira. História de Portugal, Lisboa:Versial, 2010, p. 375, Edições Kindle

[8] AZEVEDO, Lúcio. O marques de Pombal e sua época. Rio de Janeiro: Anuário Brasileiro, 1909, p.208

[9] FRANCO, José Eduardo. O triunfo internacional do antijesuitismo pombalino. In: BRASIL, Jesuítas. Bicentenário da restauração da Companhia de Jesus (1814-2014), São Paulo: Loyola, 2014, p.99

[10] MURY, Paulo. Historia de Gabriel Malagrida. Lisboa, 1825 p.174

[11] FRANCO, José Eduardo. O triunfo internacional do antijesuitismo pombalino. In: BRASIL, Jesuítas. Bicentenário da restauração da Companhia de Jesus (1814-2014), São Paulo: Loyola, 2014, p.121; Flores, Maria Bernadete Ramos. Os espanhóis conquistam a Ilha de Santa Catarina: 1777. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2004

[12] PAICE, Edward. A ira de Deus, São Paulo:Record, 2010, p.238

[13] MELIÁ, Bartolomeu. Añorada e esquiva missón. In: BRASIL, Jesuítas. Bicentenário da restauração da Companhia de Jesus (1814-2014), São Paulo: Loyola, 2014, p.155

[14] FRANCO, José Eduardo. O triunfo internacional do antijesuitismo pombalino. In: BRASIL, Jesuítas. Bicentenário da restauração da Companhia de Jesus (1814-2014), São Paulo: Loyola, 2014, p.128



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