sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

A tolerância dos muçulmanos para com os cristãos no período de ocupação dos mouros


Na reconquista cristã de Toledo na Espanha em 1085 por Afonso VI rei de Castela, a cidade tornou-se um centro de traduções em que muitos monges tiveram acesso as obras dos clássicos gregos traduzidas para o árabe, o que permitiu o acesso a um conhecimento que havia se perdido durante o período romano e bizantino[1], como por exemplo o Almagesto de Ptolomeu[2] traduzido por Eugênio de Palermo[3]. Frances Gies destaca que com a reconquista, mais do que uma vitória militar, os cristãos ganharam um “tremendo prêmio cultural” pois, na época o declínio de Bagdá havia tornado a cidade um importante centro de conhecimento islâmico.[4]  Alguns tradutores do latim, mesmo com as versões gregas dos textos disponíveis, preferiam muitas vezes as versões em árabe porque os sábios muçulmanos agregavam comentários e corrigiam o texto antigo. Qusta ibn Luqa (820-912) traduziu o texto grego Aritmetica de Diofanto  para o grego reformulando o texto em torno da nova disciplina da álgebra de Musa al Khwarizmi [5]. Vários tradutores acorriam a Toledo como Adelardo de Bath, Roberto de Chester, Gerardo Cremona (tradutor do Almagesto de Ptolomeu e diversas outras obras em medicina e ciências)[6], Daniel de Morlay, Alexandre Neckham, Miguel Escoto[7], entre outros.[8] Entres os judeus espanhóis destacaram-se Avicebron (1022-1070) de Málaga, que influenciou os escolásticos cristãos, Maimônides (1135-1204) de Córdoba, com trabalhos em filosofia e medicina, Averrois de Córdoba (1126-1198). A Espanha do século XIII, em especial sob o reinado de Alfonso X o Sábio (1252-1284)  representou o apogeu da tolerância e da troca de conhecimentos entre as três grandes religiões: cristianismo, judaísmo e islamismo.[9] Henry Kamen também destaca o período de tolerância dos muçulmanos para com os cristão da península ibérica ocupada pelos mouros. Os cristãos existiam sob o governo dos mouros e eram conhecidos como mozárabes que tinham o estatuto jurídico de dhimmis, que partilhavam com os judeus, como Povo do Livro, de modo que sua cultura, organização política e prática religiosa eram admitidas, e tinham alguma cobertura legal. Córdoba foi reconquistada pelos cristãos em 1236 e Sevilha em 1248. A invasão dos mongóis em Bagda em 1258 e de Damasco dois anos depois, aliado à influência de filósofos conservadores como Abu Hamid al Ghazali significou um duro golpe a atividade científica islâmica.[10]



[1] MAHAJAN, Shobhit. História das invenções, Berlim:Verlag, 2008, p. 30

[2] MOSLEY, Michael.Uma história da ciência. Rio de Janeiro:Zahar, 2011, p. 23

[3] TATON, René. A ciência antiga e medieval: a idade média, tomo I, livro 3, Sâo Paulo:Difusão Europeia, 1959, p. 112

[4] GIES, Frances & Joseph. Cathedral, forge and waterwheel, New York: Harper Collins, 1994, p. 106

[5] HAQ, Syed Nomanul. Mito 4: que a cultura medieval islâmica era hostil à ciência. In: NUMBERS, Ronald. Terra plana, Galileu na prisão e outros mitos sobre a ciência e religião, Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2020, p. 60

[6] GUICHARD, Pierre. Islã. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean Claude. Dicionário analítico do Ocidente medieval. v.I, São Paulo:Unesp, 2017, p. 713

[7] COSTA, José Silveira da. A escolástica crsitã medieval, Rio de Janeiro, 1999, p.63

[8] NUNES, Ruy Afonso da Costa. História da educação na idade média, Campinas:Kirion, 2018, p.208

[9] RESTON, James. Os cães do senhor. São Paulo:Record, 2008, p. 26

[10] HAQ, Syed Nomanul. Mito 4: que a cultura medieval islâmica era hostil à ciência. In: NUMBERS, Ronald. Terra plana, Galileu na prisão e outros mitos sobre a ciência e religião, Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2020, p. 66




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