terça-feira, 18 de janeiro de 2022

A experiência dos engenhos centrais no Brasil Imperial

 

Os engenhos centrais que funcionavam pela força dos cursos d’água chegavam a produzir 10 mil arrobas de cana, produção bem acima da média de 1,7 mil arrobas dos engenhos tradicionais movidos a bois.[1] Frederic Mauro estima em 48 mil cruzados portugueses os custos de um engenho central, soma considerável para a época o que exigia dos fazendeiros que buscassem fontes de financiamento junto a banqueiros e comerciantes.[2] Um dos primeiros requerimentos para concessão de um engenho central no Brasil foi feito em 1874 por Joaquim Fernandes Ribeiro da Bahia com um investimento previsto de 100 mil libras esterlinas no qual o governo inglês entraria com 25 mil libras.[3] Eisenberg aponta que os senhores de engenho do Nordeste da década de 1870 consideravam o engenho central e sua modernização de maquinário a “tábua de salvação” para a indústria açucareira[4]. Em 6 de novembro de 1875 a lei n° 2687 regulamentou a adoção dos chamados engenhos centrais de maior produtividade, prevendo um juros de 7% ao ano sobre os capitais investidos, um juros atrativo de modo a estimular a sua adoção. As companhias concessionárias, contudo, ficavam obrigadas a reservar 10% do capital adquirido em um fundo reservado a empréstimos para os plantadores além de que não poderia haver trabalho escravo[5]. Para os latifundiários não agradava a subordinação com o capital financeiro. O amplo debate ocorrido no congresso Agrícola de Recife em 1878 destaca a necessidade de novas medidas governamentais que incentivassem a instalação de engenhos centrais. O Congresso destaca “excetuados os melhoramentos em alguns engenhos, os processos de fabrico de açúcar são os mesmos de duzentos anos atrás”[6]. O engenho central substitui o banguê, ou engenho primitivo caracterizado pela moenda de três tambores. Este engenho primitivo, contudo, irá dominar por séculos os engenhos coloniais. Segundo Gileno de Carli: “é uma paisagem quinhentista transplantada para o século da máquina”[7]. O primeiro engenho central foi inaugurado em 1877 em Quissamã no Rio de Janeiro, por iniciativa do conde de Araruama[8], com moderno equipamento de fabricação francesa Fives-Lille montado por André Patureau[9], seguido da Usina Barcelos no mesmo Estado em 1882[10]. Segundo André Rebouças: “é pois evidente que o engenho central é um restaurador energético: é exatamente o elemento de vida, o agente do progresso, de que necessita a lavoura de açúcar da província da Bahia e de todas as províncias em condições análogas”[11]. Em São Paulo a usina Porto Feliz será inaugurada em 1877. Gileno de Carli mostra que a legislação de 1875 estabelecia um amparo financeiro aos fazendeiros que adotassem engenhos centrais e que a expectativa era de que isto levaria a um período de “prosperidade e riqueza”, no entanto, “elocubrações de uma noite quente de verão criaram na imaginação fértil do informante desse período imediatamente anterior à fundação dos engenhos centrais esse quadro tão conformador de progresso e riqueza e de tranquilidade social. Dir-se-ia que os plantadores de cana fluminenses iam entrar numa região de sonho, onde a felicidade seria encontrada. O número fantástico de pedidos de garantia de juros e as parcas realizações denotam que realmente a expectativa dos produtores era otimista e que contavam, os inconformados, fazer uma fortuna rápida e fácil com os engenhos centrais. Havia, naturalmente muito de fantasia, quando chegou a República”[12]. Peter Eisenberg relata que a propaganda da época dizia que 17 engenhos centrais egípcios produziam tanto açúcar quanto todos os 1500 engenhos pernambucanos em 1873, no entanto muitos dos contratos acabaram envolvidos em fraudes com a importação de maquinaria obsoleta e enferrujada[13]. Segundo o Ministro da Agricultura: “a falta de idoneidade de alguns concessionários esterilizou as concessões de que se haviam premunido para especulações puramente mercantis, contudo transferi-las as terceiros, que aptos a inspirar confiança e habilitados pelas suas relações comerciais, conseguissem levantar os capitais necessários”. [14] Entre as razões apontadas para crise dos engenhos centrais no início da República encontra-se a falta de pessoal técnico e o alto custo da matéria prima: “exatamente quando se processava na província do Rio de Janeiro a transformação do engenho colonial em usina, chega a abolição da escravatura. O quadro que então se desenha é alarmante, porque os engenhos param. O mato invade tudo. As lavouras se extinguem [..] Perde-se quase tudo”. Em Minas Gerais somente o Engenho central Rio Branco inaugurado em 1885 obteve sucesso. Cinco empresas britânicas organizadas a partir de 1882 recebem concessões para 32 engenhos centrais em São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia, Alagoas, Sergipe, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Ceará. Tal otimismo nâo se confirmou, a Rio de Janeiro Central Sugar Factories construiu apenas um engenho central localizado em Pernambuco com “miserável desempenho”[15], a San Paulo Central Sugar Factory construiu um único engenho em 1884 e empresa foi liquidada dois anos após. Roberta Meira considerando os primeiros empreendimentos de engenhos centrais no início da década de 1870 observa que foram necessários quinze anos para ficar claro que os engenhos centrais não era a solução para os problemas da agroindústria canavieira no Brasil, a propaganda dos altos ganhos obtidos pela Companhia das Índias Ocidentais Francesas  na ilha de Martinica e Guadalupe logo se desfez. A propaganda do maquinário francês era feita por jornais como The Cane Sugar e Journal des Fabricants de Sucre mostrando as vantagens da mecanização, em matérias transcritas na Revista  Auxiliador da Indústria Nacional. Apesar da garantia de juros  e dos benefícios concedidos pelo governo imperial, houve pouco desenvolvimento da política dos engenhos centrais. Henrique Milet no Congresso de Recife de 1878 aponta que nenhum engenho central havia sido instaurado.[16] Para Evaldo Cabral de Melo isso ocorria pois tal política “não foi promovida pela açucatocracia nortista  e nem pelos interesses comerciais ligados á exportação de açúcar  mas imposta autoritariamente ao norte  agrário em benefício de capitais estrangeiros e do ativo lobby de melhoramentos  matérias que vicejava no Rio de Janeiro à sombra dos lucros fáceis de intermediação que proporcionavam a obtenção e a venda de concessões governamentais”.[17] Roberta Meira aponta que não como ignorar o alto custo dos investimentos de um engenho central.

[1] BARSA PLANETA, História do Brasil: primeiros povos brasileiros, descobrimento e colonização, 2009, v.1, p. 262

[2] AQUINO, Fernando, Gilberto, Hiran. Sociedade brasileira: uma história, São Paulo: Record, 2000, p.109

[3] MEIRA, Roberta Barros. Banguês, engenhos centrais e usinas, São Paulo: Alameda, 2010, p.39

[4] MEIRA, Roberta Barros. Banguês, engenhos centrais e usinas, São Paulo: Alameda, 2010, p.49

[5] GUIMARÃES, Alberto Passos. A crise agrária, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982, p.63 In: AQUINO, Fernando, Gilberto, Hiran. Sociedade brasileira: uma história, São Paulo: Record, 2000, p.559

[6] HOLANDA, Sérgio Buarque. O Brasil monárquico: declínio e queda do império, t.II, v.4, São Paulo:Difusão, 1971, p.107

[7] IBGE, Tipos e aspectos do Brasil, Rio de Janeiro:IBGE, 1975, p.154

[8] BRITO, José Gabriel Lemos. Pontos de partida para a história econômica do Brasil. Brasiliana v. 155, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1980, p.306

[9] TELLES, Pedro Carlos da Silva. História da Engenharia no Brasil: séculos XVI a XIX, Rio de Janeiro:Clube de Engenharia, 1994, p.186; HOLANDA, Sérgio Buarque. O Brasil monárquico: declínio e queda do império, t.II, v.4, São Paulo:Difusão, 1971, p.108

[10] GAMA, Ruy. Engenho e tecnologia, São Paulo: Duas Cidades, 1983, p.231

[11] SANTOS, Sydney. André Rebouças e seu tempo, Rio de Janeiro, 1985, p.289

[12] DI CARLI, Gileno. A evolução do problema canavieiro fluminense. 1942, Rio de Janeiro:Pongetti, p.43  http://www.ppe.ipea.gov.br/pub/meb000000270/evoluodoproblema00deca/evoluodoproblema00deca.pdf

[13] EISENBERG, Peter. Modernização sem mudança: a indústria açucareira em Pernambuco 1840-1910. São Paulo: Unicamp, 1977, p.116

[14] EISENBERG, Peter. Modernização sem mudança: a indústria açucareira em Pernambuco 1840-1910. São Paulo: Unicamp, 1977, p.114

[15] EISENBERG, Peter. Modernização sem mudança: a indústria açucareira em Pernambuco 1840-1910. São Paulo: Unicamp, 1977, p.115

[16] MEIRA, Roberta Barros. Banguês, engenhos centrais e usinas, São Paulo: Alameda, 2010, p.61

[17] MEIRA, Roberta Barros. Banguês, engenhos centrais e usinas, São Paulo: Alameda, 2010, p.61



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Doação de Constantino

  Marc Bloch observa a ocorrência de falsificações piedosas tais como a pseudo doação de Constantino ( Constitutum Donatio Constantini ) ao ...