O
1270 o bispo Estévão / Étienne Tempier condenou treze posições errôneas eivadas
de paganismo encontradas nas obras de Aristóteles conforme as interpretações de
Averrois, entre as quais a eternidade do mundo. Contra esses e outros “erros” o
bispo Tempier irá se opor, reafirmando a onipotência de Deus[1].
O que a Igreja condenou foi as teses que limitavam o poder divino tendo em
vista a preservação de princípios da ordem natural passíveis de serem conhecidos pela razão e
estabelecidos pela filosofia natural de Aristóteles.[2] Em 1277 serão 219 as proposições averroístas condenadas entra as quais: “não há nada melhor do que viver como
filósofo [e não como crente]”, “os únicos sábios do mundo são os filósofos [e
não os santos]”, “Deus é a causa muito distante de todas as coisas”, “Não há
nenhum lugar em que se encontrem anjos e almas dos mortos”, “o mundo é eterno
[não houve criação]”, “nunca houve nenhuma criação”, “há uma alternância
cíclica dos céus e as mesmas coisas voltarão a ocorrer”, “a única felicidade
possível encontra-se nesta vida e não no além”, “como todas as outras, a
religião cristã contém somente mitos”, “as tagarelices dos teólogos repousam
sobre fábulas”[3],
“Deus não poderia fazer outro mundo”, “Deus não poderia fazer um homem sem a
intermediação de um pai humano”, “Deus não poderia causar um ato novo ou
produzir qualquer coisa nova”, “Deus não poderia mover os céus de maneira
retílinia, pois causaria um vazio”, “o corpos celestes possuem uma alma ou inteligência”,
“não existe questão contestável pela razão que um filósofo não deva contestar”.[4] O fundamento das condenações estava na impossibilidade de se conciliar
Aristóteles com o dogma cristão[5].
Uma das doutrinas condenadas é a que forma a base da astrologia que afirma a
influência dos astros sobre os eventos terrestres, fundamento de toda a ciência
da época. Segundo Tomás de Aquino em Responsio
ad Magistrum Johannem de Vercellis de 43 articulis: “nenhum sábio duvida que todos os movimentos naturais dos corpos
inferiores sejam causados pelo movimento do corpo celeste”. No século XIII
na Suma contra os gentios Tomás de Aquino ao discorrer sobre o
livre arbítrio desenvolve o conceito de
que os corpos celestes influenciam diretamente apenas o corpo, mas não o
intelecto, de modo que nenhum efeito tem sobre nosso livre arbítrio: “Seria,
ademais, inútil o estabelecimento das leis e dos preceitos do viver se o homem
não fosse senhor das suas eleições. Também inúteis seriam as penalidades aos
maus e os prêmios aos bons, se não estivesse em nosso poder escolher isto ou
aquilo. Faltando, no entanto, tais coisas, desapareceria a vida social,
imediatamente. Logo, segundo a ordem da providência divina o homem não foi de
tal modo constituído que as suas eleições sejam provenientes dos corpos
celestes” (Livro III, Capítulo LXXXV). Na Summa Teológica Tomás de Aquino é
contundente: “O supor, pois, que os corpos celestes são causa dos atos
humanos, é algo próprio dos que dizem que o entendimento não se distingue dos
sentidos [...] Mas, como é absolutamente certo que o entendimento e a vontade
não são faculdades dependentes dos órgãos corpóreos, não é possível que os
corpos celestes sejam causas dos atos humanos” (Parte I, Q. 115, art. 4). Segundo Santo Agostinho: “O
bom cristão deve precaver-se de astrólogos ou de qualquer um daqueles que
praticam impiamente a adivinhação” (apud Sto. Tomás, II-II, Q. 95, art. 5).[6]
[1] TATON, René. A ciência
antiga e medieval: a Idade Média, tomo I, v.III, São Paulo:Difusão, 1959, p.
133
[2] ABRANTES, Paulo.
Imagens de natureza, imagens de ciência, Campinas:Papirus, 1998, p.57
[3] ALESSIO, Franco. Escolástica. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean
Claude. Dicionário
analítico do Ocidente medieval. v.I, São Paulo:Unesp, 2017, p. 422
[4] CROMBIE, Alistair; NORTH, John. Univers. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT,
Jean Claude. Dicionário
analítico do Ocidente medieval. v.II, São Paulo:Unesp, 2017, p. 668
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