terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Sacrifício e ordálio no império inca

 

Os jogadores do jogo da pelota (ulama) eram nobres que usavam cintos de pedra em forma de U forrados feitos de tecido ou fibras trançadas para proteger os quadris, além do uso de finas máscaras ou hachas, reproduzindo feições humanas, carnívoros, araras ou perus[1]. Havia dois times de dois ou três jogadores e o objetivo era acertar uma bola de borracha pequena e sólida através de anéis dispostos ao longo do campo de modo a marcar pontos. O time perdedor quase sempre era sacrificado. O British Museum guarda um cinto cerimonial feito de pedra com peso de 45 quilos datado do ano 100 d.c. usado na abertura do jogo. O desenho do cinto é o de um sapo estilizado e remete a luta cósmica da vida contra a morte [2]. Para os astecas (1250 a 1521 d.c), o jogo representava uma batalha das forças noturnas lideradas pela Lua e estrelas contra o Sol personificado pelo Huitzilopochtli, o deus protetor. A quadra representava o mundo e a bola o sol e a lua. Os sacrifícios humanos tinham, assim, a função de manter o sol iluminando a Terra. Daí a importância do jogo para a manutenção da vida.[3] Segundo Jacques Soustelle: “fugir a esse dever cósmico é trair os deuses”.[4] Segundo Joathan Leonard: “tais cenas de sacrifício não lhes pareciam de modo algum horripilantes, como também não o eram para as vítimas. A morte, em si mesma, não era muito temida, e a morte ritual, pela mão dos sacerdotes, era considerada uma honra”.[5] . Miles Pointdextetr aponta as semelhanças da palavra teotl em mexicano que significa a divindade com o grego theos que significa deus.[6] Em El Tajin (250 a 1150 d.c) são encontrados pelo menos três campos de jogos com até 59 metros de comprimento.[7] Em um dos relevos o capitão derrotado parece ser sacrificado pelos vencedores que acertam uma faca cerimonial sobre seu coração.[8] Stuart Piggott mostra que na Europa entre os sacerdotes druidas também haviam práticas de sacrifícios humanos[9]. Entre os celtas no sul da França, por exemplo, havia o culto das cabeças cortadas como os observados em Cadurcos ou Bredon[10].  Louis Baudin mostra que enquanto entre os astecas o sacrifício humano vinha para aplacar a ira dos deuses ao oferecer-lhe sangue, entre os incas não se observava esse caráter de crueldade.[11]  Entre os incas havia a prática de ordálio em que os deuses decidiriam pela absolvição do acusado. No hiwaya uma pedra pesada era deixada cair de uma altura de metro nas costas do acusado, se este sobrevivesse era reconhecido inocente. Em Cusco os acusados eram deixados por dois dias em uma caverna com escorpiões, serpentes e jaguares. Se conseguissem sair vivos eram considerados protegidos dos deuses e cumulados de honrarias.[12]

[1] COE, Michael, Os maias, Editorial Verbo:Lisboa, 1968, p.92

[2] MacGREGOR, Neil. A história do mundo em 100 objetos, Rio de Janeiro:Intrínseca, 2013, p.279

[3] DOMINGUES, Joelza. Jogo de bola mesoamericano: o combate mortal, 2015 http://www.ensinarhistoriajoelza.com.br/jogo-de-bola-combate-mortal/

[4] SOUSTELLE, Jacques. A vida quotidiana dos astecas. Belo Horizonte:Itatiaia, 1962, p.140

[5] LEONARD, Joathan. América pré colombiana, Rio de Janeiro:José Olympio Editora. Biblioteca de História Universal Life, 1971, p.68

[6] POINDEXTER, Miles. The Ayar Incas, New York: Horace Liveright, 1930, p.199

[7] COE, Michael. Antigas Américas, mosaico de culturas, v. I Madrid:Ed. Del Prado, 1997, p. 11; LONGHENA, Maria. O México antigo, Barcelona:Folio, 2006, p. 32

[8] COE, Michael. O México. Lisboa:Editorial Verbo, 1970, p.123

[9] PIGGOTT, Stuart. A Europa antiga, Lisboa:Fund. Calouste Gulbenkian, 1965, p. 293

[10] PIGGOTT, Stuart. A Europa antiga, Lisboa:Fund. Calouste Gulbenkian, 1965, p. 294

[11] BAUDIN, Louis. A vida quotidiana dos últimos incas, Lisboa:Ed. Livros do Brasil, p. 157

[12] LISSNER, Ivar. Assim viviam nossos antepassados. Belo Horizonte: Itatiaia, 1968, p. 288



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