domingo, 12 de dezembro de 2021

As Irmandades católicas do século XVIII e XIX

 

Na metrópole, as irmandades religiosas cumpriam em primeiro lugar o papel religioso de reunir fieis em torno da devoção de um santo e do exercício das virtudes teologais de fé, caridade e esperança, e em segundo lugar de se constituir em uma organização beneficente de auxílio mútuo. Marcos Magalhães de Aguiar ao estudar as irmandades negras e mulatas em Vila Rica do século XVIII constata que tanto serviam como meio de integração como de exclusão com relação aos africanos.[1] Katia Mattoso menciona a confraria da Nossa Senhora da Baixa dos Sapateiros da Bahia e a Nosso Senhor da Redenção como compostas somente de negros.[2] Gilberto Freyre destaca os recursos obtidos pelas Irmandades por meio de doações de seus devotos católicos: “A mística do donativo ou do legado à irmandades, foi uma das expressões mais características da vida religiosa na época brasileira que se procura estudar neste ensaio (século XIX), e de tal modo se firmou em convenção que tornou-se mal visto o rico católico que não se mostrasse, sob esse aspecto, religioso ou caridoso. Aliás, a essa mística se juntava a do prestígio social associado à irmandade de que o rico se tornasse um benfeitor ou um membro, e que, por sua vez, o beneficiava com suas insígnias”. [3] Stuart Schwartz mostra as Irmandades como a Ordem Terceira de São Francisco e a Ordem Terceira do Carmo constituíam uma das principais fontes de crédito na colônia ao emprestarem dinheiro a juros.[4] Russel Wood aponta a Irmandade da Nossa Senhora do Rosário dos Pretos com a importante na função de transferências de dinheiro contando com numerosas filiais no continente africano bem como na metrópole.[5] Júnia Furtado mostra que nas devassas eclesiásticas em Minas Gerais de um total de quarenta comerciantes processados no período de 1721 a 1749, dezoito (45%) foram acusados de usura. Vários padres se envolveram em acusações de empréstimos a juros como o padre Antonio de Mendonça de Ificcionado ou o padre de Congonhas, Simão Pereira [6].  Quando se tornavam muito ricas tais Irmandades se tornavam órgãos de emissão de créditos a seus membros ou até mesmo faziam empréstimos  ao tesouro da capitania. Em seu testamento o comerciante Manuel Gomes de Carvalho declarou que devia 100 oitavas de ouro às Irmandades do Santíssimo, Almas, Passos e São Senastião de Vila Rica.[7] Membros sem filhos legavam toda a sua fortuna acumulada em mineração à Irmandades. João de Matos por exemplo entregou um legado de 80 mil cruzados à Misericórdia da Bahia. Jorge Souza mostra que o capitão Pero de Lima devia 400 contos ao mosteiro dos beneditinos de Salvador.[8] Muitas vezes a má administração, com a concessão de empréstimos sem garantias, levavam a críticas como as feitas pelo vice rei Conde de Sabusosa em 1729 à Misericórdia da Bahia.[9] No Rio de Janeiro o mosteiro de São Bento mantinha créditos de mais de mil e quatros contos com a elite da capital como o general Salvador Correia de Sá [10]. No século XVII a maior parte dos empréstimos realizados na Bahia eram concedidos pela Santa Casa de Misericórdia de Salvador.[11] Jorge Caldeira aponta o papel das Irmandades no fomento da economia local.[12] Em seu estudo das corporações de ofícios no Rio de Janeiro de 1820 a 1850 Eulália Lobo mostra que “As irmandades e as corporações desempenhavam importante papel mesmo depois do fechamento oficial das corporações, em 1824. As irmandades funcionavam como bancos, defendiam os interesses das corporações”. Oliveira Lima se refere a que “Nos tempos coloniais quase não se fazia negócio algum a crédito, nem se punha comumente dinheiro a juros no Brasil: entesourava-se no pé de meia e vendia-se contado. Nem se formava ideia exata do valor e influência do capital, ou se emprestava”.[13]

[1] RUSSELL WOOD, A. Histórias do Atlântico português, São Paulo: UNESP, 2021, p. 262

[2] MATTOSO, Katia M. Queirós. Ser escravo no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Vozes. Edição do Kindle, 2016, p.180

[3] FREYRE, Gilberto. Ordem e progresso, São Paulo: Record, 2000. p.700

[4] SCHWARTZ, Stuart. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial. São Paulo: Cia das Letras, 1988, p. 180; CALDEIRA, Jorge. História da Riqueza no Brasil, Rio de Janeiro:Estação Brasil, 2017, p.107

[5] RUSSELL WOOD, Escravos e libertos no Brasil colônia, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p.222

[6] FURTADO, Júnia Ferreira. Homens de negócio, São Paulo: Hucitec, 2006, p. 165

[7] FURTADO, Júnia Ferreira. Homens de negócio, São Paulo: Hucitec, 2006, p. 136

[8] BOXER, Charles. A idade de ouro do Brasil. São Paulo:Cia Editora Nacional, 1969, p. 156

[9] BOXER, Charles. A idade de ouro do Brasil. São Paulo:Cia Editora Nacional, 1969, p. 157

[10] SOUZA, Jorge Vitor. Para além do claustro: uma história social da inserção beneditina na américa portuguesa, 1580-1690, Rio de Janeorp, UFF, 2014, p. 203

[12] FRAGOSO, João; FLORENTINO, Manolo; FARIA, Sheila de Castro. A economia colonial brasileira (séculos XVI-XIX), São Paulo:Atual Editora, 1998, p.42

[12] CALDEIRA, Jorge. A nação mercantilista, São Paulo:Ed. 34, 1999, p. 154

[13] LIMA, Oliveira. D. João VI no Brasil, 2021, Edições Kindle, p.3758/14482



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