Para Henri Pirenne: “è, sem dúvida, falso que os homens tenham esperado o fim do mundo no ano 1000, mas o século que se inicia nesta data caracteriza-se, em posição com o que o precede, por um recrudescer / renascimento de atividade tão acentuado que podia passar por o despertar de uma sociedade por longo tempo oprimida por um angustiante pesadelo”.[1] Marc Bloch observa que a passagem do ano 1000 não espalhou pelas massas a expectativa de fim do mundo principalmente pelo fato de que a mentalidade da época não pensava em termos de números precisos, e diante da ausência de um calendário unificado, não era incomum que o dia de um dado santo fosse comemorado em datas distintas por diferentes comunidades: “na verdade, para a maior parte os Ocidentais, esta expressão ano mil, que pretendeu ser-nos apresentada como carregada de angústias, era incapaz de evocar uma fase exatamente situada na sucessão dos dias”.[2] Julio Roy mostra que o temor apocalíptico pelo ano mil trata-se de uma lenda a posteriori pois nenhum escritor contemporâneo a menciona.[3] Daniel Rops se refere aos temores do ano mil como “absurda fábula”.[4] Segundo Georges Duby[5]: “Um povo aterrorizado pela eminência do fim do mundo: no espírito de muitos homens de cultura, esta imagem do ano Mil ainda hoje permanece viva, apesar do que Marc Bloch, Henri Focillon ou Edmund Pognon escreveram para destruir, o que prova que os esquemas milenaristas ainda não perderam completamente na nossa época o seu poder de sedução na consciência coletiva [..] E é de fato no fim do século XV, com os triunfos do novo humanismo, que aparece a primeira descrição conhecida dos terrores do ano mil”.[6] Em a Europa da Idade Média, contudo, Georges Duby se refere a angústia do ano mil: “O inferno, o ceu, o Juízo Final: a partir do ano mil, a arte sagrada, a grande arte, não falará senão disso , mas segundo um outro registro, litúrgico, teológico. Pouco a pouco, passo a passo, ao longo dos séculos de crescimento, no grande surto de otimismo, a angústia havia se retirado”.[7] Para Henri Focillon (figura) a persistência do imaginário de um período de terrores que teria supostamente marcado o ano mil pode ser explicado por uma concepção romântica da Idade Média, própria do século XIX.[8] Henri Focillon destaca que o reino dos Francos ainda sustentam seu império especialmente com Oto III e Gerbert nao se trata portanto de um período de decadência em que apelos apocalípticos pudessem contar com ampla adesão. No ano 1000 Oto III transferiu seu trono para a Roma, sobre o Aventino significando a renovação do Império Romano, que embora não tido continuidade marca um sonho obsessivo de reconstruir a Roma dos Césares. Os intelectuais e a classe esclarecida não compartilhava tais terrores.[9] Nas cerca de 50 bulas promulgadas entre 970 e 1000 assim como nos principais cronistas da época entre os quais Aimoin de Fleury, Odoran de Sens e Ademar de Chabannes não há qualquer referência aos terrores da virada do milênio[10]
[1] PIRENNE, Henri. As
cidades da idade média, Portugal:Pub. Europa America, 1962, p.72; FOCILLON,
Henri. O ano mil, Lisboa:Estampa, 1977, p. 81
[2] BLOCH, Marc. A
sociedade feudal, Lisboa:Edições 70, 1982, p.107
[3] ASLAN, Nicola. A
maçonaria operativa, Rio de Janeiro: Aurora, 1979, p. 45
[4] ROPS, Daniel. A Igreja das catedrais e das cruzadas. São Paulo: Quadrante,
2012, p. 388
[5] DUBY, Georges. História
artística da Europa: Idade Média, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997, p. 42
[6] DUBY, Georges. O ano
mil. Lisboa:Edições 70, 19967, p. 11
[7] DUBY,
Georges, A Europa na Idade Média, São Paulo: Martins Fontes, 1988, p. 122
[8] FOCILLON, Henri. O ano
mil, Lisboa:Estampa, 1977, p. 44
[9] FOCILLON, Henri. O ano
mil, Lisboa:Estampa, 1977, p. 82
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