sábado, 20 de novembro de 2021

O culto à retórica no Brasil imperial

 

Rui Barbosa foi o relator de uma Comissão em 1882 sobre a reforma de educação proposta por Leôncio de Carvalho em 1879: “o vício essencial dessa espécie de instrução, entre nós, está em ser, até hoje, quase exclusivamente literária” e critica o caráter retórico do ensino formador de “palradores e ideólogos” e apontava que a solução seria uma reforma cujo princípio fosse “a introdução da ciência no âmago da instrução popular”.[1] Segundo Gilberto Freyre o próprio Rui Barbosa tornou-se um mestre do verbalismo tendo aprendido com os retóricos imperiais: “É este um aspecto nada desprezível da ordem social ou do sistema sociocultural, que do Império se prolongou na República: a supervalorização da oratória ou da eloquência ou da retórica, quer sacra quer política, ou simplesmente mundana ou de sobremesa. Tal foi essa supervalorização que a eloquência, durante todo esse período da vida brasileira, transbordou nos meios convencionais de expressão, o discurso, o sermão, o brinde, para desfigurar ou perverter outros gêneros: a poesia, o romance, o ensaio, o editorial, a carta, o ofício, o relatório, o próprio telegrama”[2]. A Revista Kosmos em matéria de 1906 faz um retrato irônico da arte da retórica: “vede-o austero, severo, sério, braço esticado no ardor do improviso, olhos cerrados pela contenção do espírito, afirmando sua dedicação a um partido ao qual talvez tenha de trair amanhã, ou afirmando o seu nobre desejo de morrer pela Pátria, quando talvez o seu único e sincero desejo seja o de repetir a galantina de macuco que foi servida à pouco .... A oratória política de sobremesa é hoje uma instituição indestrutível”. Para Frederick Eby o sistema jesuítico era “o elemento ultraconservador na evolução da educação moderna”.[3] Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil afirma que “no vício do bacharelismo ostenta-se também nossa tendência para exaltar acima de tudo a personalidade individual como valor próprio, superior às contingências”.[4] Para Sérgio Buarque de Holanda o bacharel era a “expressão dos ideais educativos da sociedade patriarcal, com o culto dos valores retóricos”[5].

[1] CARVALHO, José Murilo. A escola de Minas de Ouro Preto: o peso da glória, Rio de Janeiro: Finep, 1978, p.39

[2] FREYRE, Gilberto. Ordem e progresso, São Paulo: Record, 2000. p.302

[3] EBY, Frederick. História da educação moderna. Porto Alegre:Globo, 1976, p.97

[4] ARASAWA, Cláudio Hiro. Engenharia e poder, construtores de uma nova ordem em São Paulo, São Paulo:Alameda, 2008, p.105

[5] HOLANDA, Sérgio Buarque. O Brasil monárquico: reações e transações, t.II, v.3, São Paulo:Difusão Europeia, 1967, p.16





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