No século X o alquimista Rasis (854-925) em seu livro Segredo dos segredos, Liber Secretorum de Voce Bubacaris[1], descreve diversos instrumentos como béqueres, fornos, tesouras, alambiques, pilões para seus experimentos de destilação, calcinação e cristalização.[2] Embora os títulos destaquem o aspecto arcano e esotérico da alquimia os livros descrevem de forma clara e sem mistério muitos processos químicos como a destilação e a calcinação.[3] Na obra Rasis rompe com a mística dos números e com o simbolismo tentando fundamentar-se na experiência, que é descrita de forma clara que possa ser reproduzida[4]. Rasis questionava a aceitação dogmática dos textos médicos da antiguidade.[5] Assim ele critica Galeno: “Tu ensinas que a natureza governa o animal... è o contrário, é sem dúvida o ser vivo que governa a natureza, pois ele tem febre em um primeiro momento, e num segundo momento tomas entre os remédios o que lhe parece bom”.[6] Para René Taton: “Todas essas observações revelam uma fermentação intelectual, sem dúvida alguma favorável ao nascimento de um espírito científico independente”. Pela calcinação os metais são aquecidos e para facilitar a oxidação até que se transforme em óxido calcinado. Outra técnica alquímica é a copelação um processo químico que explora as propriedades do chumbo em se ligar com o oxigênio e usado para purificação de metais como ouro e a prata[7]. Seus textos fazem referência a susbtâncias como o sal amoníaco, desconhecido dos gregos, e que são apresentadas com nomes persas. [8] Como médico Rasis escreveu uma monumental obra em nove volume o The Virtuous Life e distinguiu a varíola e o sarampo através de sua caracterização clínica das duas doenças. E, como um alquimista, é conhecido por seu estudo do ácido sulfúrico[9] e por sua descoberta do etanol e seu refinamento para uso na medicina. Em seu Segredo dos segredos há pelo menos duas receitas sobre a sublimação do mercúrio, das quais derivou de alguns alquimistas renascentistas de manipular o mercúrio para obter o elixir da vida eterna. Seu biógrafo Khosro Moetazed reporta um debate público em que Rasis responde: “Eu entendo de alquimia e tenho trabalhado nas propriedades características dos metais por muito tempo. Contudo, não é evidente para mim, como alguém poderia transmutar o ouro a partir do cobre. Apesar da pesquisa dos cientistas antigos feita nos séculos passados, não há nenhuma resposta sobre esta questão. Eu duvido muito que isto seja possível”.[10] Rasis acredita que os eruditos contemporâneos eram mais bem equipados e tinham mais conhecimento além de serem mais competentes que os antigos devido ao conhecimento acumulado que tinham a sua disposição. Sempre preparado para questionar as antigas autoridades escreveu o livro Dúvidas em relação a Galeno destruindo completamente sua teoria dos humores, assim como a teoria dos quatro elementos dos alquimistas gregos. Quanto aos milagres acreditava serem impossíveis conforme seu livro Os truques dos profetas.[11] Por volta do século XIII Gerard de Cremona traduziu a obra de Razi. [12] Segundo uma versão apócrifa Rasis teria sido ridicularizado em público ao empreender perante o emir de Khorassan uma experiência mal sucedida de transmutação de ouro[13] o que o levou a abandonar a alquimia. Outra versão afirma que na preparação do elixir, ele feriu seus olhos com seus vapores e foi curado por um médico que lhe cobrou uma taxa de quinhentos dinares. Rasis pagou a conta do médico, mas, ao final ao descobrir a verdadeira alquimia e a melhor arte de fazer ouro, devotou o restante de sua vida para o estudo e prática da medicina[14]. Rasis, que também se dedicou a matemática, possui oito títulos que tratam de alquimia em que considera a transmutação possível. Em um destes livros é uma resposta a Al-Kindi que mantinha opinião oposta (Responsio ad philosophum al-Kendi eo quod artem al-Chymi in impossibili posuerit).[15]
[1] BERNARDONI, Andrea. Abu
Bakr Al-Razi. In: ECO, Umberto. Idade média: bárbaros, cristãos e muçulmanos,
v.I, Portugal:Dom Quixote, 2010, p.456
[2] TERESI, Dick.
Descobertas perdidas, São Paulo:Cia das Letras, 2008, p.298,
https://en.wikipedia.org/wiki/Muhammad_ibn_Zakariya_al-Razi
[3] RONAN, Colin. História
Ilustrada da Ciência: Oriente, Roma e Idade Média. v.2, São Paulo:Jorge Zahar,
2001, p.128; STRATHERN, Paul. O sonho de Mendeleiev: a verdadeira história da
química, Rio de Janeiro:Zahar, 2002, p.44
[4] TATON, René. A ciência
antiga e medieval: a Idade Média, v. III, São Paulo:Difusão, 1959, p. 52
[5] BRAGA, Marco; GUERRA,
Andreia; REIS, Jose Claudio. Breve historia da ciência moderna, v.I, Rio de
Janeiro:Zahar, 2011, p. 81
[6] TATON, René. A ciência
antiga e medieval: a Idade Média, tomo I, v.III. São Paulo:Difusão, 1959, p. 29
[7] BERNARDONI, Andrea.
Atividade mineira e metalurgia. In: ECO, Umberto. Idade média: bárbaros,
cristãos e muçulmanos, v.I, Portugal:Dom Quixote, 2010, p.440
[8] GOLDFARB, Da alquimia à
química, Sâo Paulo:Edusp, 1987, p.97
[9] GOLDFARB, Da alquimia à
química, Sâo Paulo:Edusp, 1987, p.99
[10] https://en.wikipedia.org/wiki/Muhammad_ibn_Zakariya_al-Razi
[11] RONAN, Colin. História
Ilustrada da Ciência: Oriente, Roma e Idade Média. v.2, São Paulo:Jorge Zahar,
2001, p.125
[12] GOLDFARB, Da alquimia à
química, Sâo Paulo:Edusp, 1987, p.118
[13] STRATHERN, Paul. O
sonho de Mendeleiev: a verdadeira história da química, Rio de Janeiro:Zahar,
2002, p.45;
https://en.wikipedia.org/wiki/Muhammad_ibn_Zakariya_al-Razi#cite_note-34
[14] THORNDIKE,
Lynn. A History of magic and experimental science, v.I, Columbia University
Press, 1923, p.670
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