sábado, 27 de novembro de 2021

Literatura técnica no Brasil do século XIX

 

No relatório Geral da Exposição Nacional de 1861, lido no ato solene da distribuição dos prêmios no dia 14 de março de 1862 Frederico Burlamaqui exalta o progresso da indústria: “O público teve ocasião de observar a perfeição das máquinas a vapor marítimas, feitas no Arsenal de Marinha da côrte, os modelos de hélice, locomotivas cilindros a vapor de movimento oscilante, e vários outros aparelhos a vapor das duas grandes fábricas dessa côrte, assim como máquinas de suspender pesos, de cunhar, tórculo e balança da nossa casa de correção; bombas, fogões, panelas de ferros, chapas ornadas, carros, sino, medalhões, pregos etc, de cobre, latão, bronze, ferro e aço, objetos fabricados em diversas oficinas, e que atestam que a indústria metalúrgica tem uma vida animada nesta côrte. A fábrica da Ponta de Areia expôs uma pequena estátua de bronze, a primeira que se funde no Brasil”.[1] No entanto Hermetes Araujo observa o incipiente desenvolvimento técnico no país que se refletia na falta de literatura técnica: “A indigência absoluta da literatura técnica no Brasil ilustra exemplarmente esta situação: se de um lado, desde 1830, junto com a literatura portuguesa, a tradução e a divulgação da poesia e do romance francês, em primeiro lugar, mas também inglês, italiano, alemão etc, se torna um meio de encorajamento aos hábitos de leitura e à criação cultural, por outro lado, as primeiras traduções da literatura técnica para uso no ensino profissional só aparecem praticamente um século mais tarde. As primeiras traduções e os primeiros compêndios relativos à tecnologia dos ofícios só foram elaborados no país no começo dos anos 1920. Até essa época, segundo um historiador do ensino profissional no Brasil [Celso Sukow da Fonseca], "nada existia, em nossa língua, sobre literatura técnica”.[2] Gilberto Freyre se refere ao depoimento de um engenheiro no Brasil do século XIX: “em matéria de tecnologia é sabido que os dicionários portugueses são os mais incompletos que é possível imaginar. Quem toma de um dicionário nosso e nele procura um termo técnico, tem quase certeza de que não vê-lo mencionado ou, pelo menos, de deparar com uma definição errada. Sob esse ponto de vista nossa língua está ainda na infância”.[3] Gilberte Freyre apresenta uma longa lista de estrangeirismos técnicos usados na época: toilette, bife, menu, restaurante, funding, impeachment, cupê, deck, charrete, raquete, pince nez, etiqueta, iate, macadame, box, atelier, meeting, echarpe, book maker, bouquet, budget, guidon, tableu, écran, plateau, carnet. Gilbert Freyre pergunta: “por que menu, se podia-se dizer cardápio ? Abat jour, se era possível dizer em português quebra luz ? Pince nesse em seu lugar podia-se dizer nasóculos ?”. Para Gilberto Freyre a confusão linguística reflete a anarquia da introdução dos artefatos tecnológicos sob a pressão de novas necessidades e situações sociais.



[1] ARAUJO, Hermetes Reis de. Técnica, Trabalho e Natureza na Sociedade Escravista. Rev. bras. Hist.,  São Paulo ,  v. 18, n. 35, p. 287-305,    1998 .   http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-01881998000100013

[2] ARAUJO, Hermetes Reis de. Técnica, Trabalho e Natureza na Sociedade Escravista. Rev. bras. Hist.,  São Paulo ,  v. 18, n. 35, p. 287-305,    1998 .   http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-01881998000100013

[3] FREYRE, Gilberto. Ordem e progresso, São Paulo: Record, 2000. p.388



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