sábado, 13 de novembro de 2021

Iluminação a gás no Rio de Janeiro

 

Caio Prado Júnior observa que com o fim do tráfico de escravos em 1850 foram liberados consideráveis recursos para investimentos como por exemplo a fundação por Irineu Evangelista de Souza da Companhia de Iluminação a gás do Rio de Janeiro em 1854 com postes fabricados pela fundição de Ponta da Areia em Niteroi.[1] Em 1854 o barão de Mauá inaugura a Companhia de Gás para iluminação pública sendo a rua do Ouvidor a primeira a receber a novidade saudada por um lundu/samba: “Estamos no século das luzes. Não podemos duvidar. Anda gás por toda a parte. Para nos alumiar”[2]. A antiga fábrica de gás do Rio de Janeiro construída em 1853, no Caminho do Aterrado (hoje Avenida Presidente Vargas número 2610) tem uma inscrição em latim em sua fachada Ex fumo darem luce em referência a texto de Horácio muito embora não se possa confundir fumo com gás. A iluminação a gás abriu novas possibilidades de socialização como a dos cafés abertos à noite  como o salão Fama do Café com Leite na praça da Constituição, atual praça Tiradentes conforme anúncio no jornal: “No grande café da Fama, Hoje a gás iluminado, Há o bom café com leite. Por todos apreciado”[3]. Em São Paulo a iluminação a gás é inaugurada em 1872 junto ao largo da Sé, no pátio do Colégio e em frente ao Palácio do Governo.[4] A imprensa se contagia com as perspectivas de progresso. A lâmpada de Argand revolucionara a iluminação artificial em 1784 usando óleo como combustível. No Brasil em fins do século XVIII, começou a iluminação pública por candeeiros à óleo de baleia. Na tela de Thomas Endler de 1817 é mostrado o uso de candeeiros com óleo de baleia em torno do chafariz de mestre Valentim no Rio de Janeiro. Sobre a iluminação a gás na capital o Jornal do Comércio em 2 de março de 1851 exalta a iniciativa de Irineu Evangelista e escreve: “Viva o progresso de 1851 ! [...] é mais uma fonte de trabalho que se vai abrir, é mais uma indústria que nasce, é mais um melhoramento de asseio, de comodidade e segurança pública. Avante ! É esta a palavra da época em que vivemos, é este o voto de todos aos brasileiros”.[5] Segundo Mauá “reunir os capitais, que viam repentinamente deslocados do ilícito comércio, e fazê-los convergir a um centro donde pudessem ir alimentar as forças produtivas do país, foi o pensamento que me surgiu na mente ao ter a certeza de que aquele fato era irrevogável”[6]. José Maria da Silva Paranhos faz o mesmo diagnóstico: “a abolição efetiva do tráfico de escravos [...] deixou disponível uma grande massa de capitais que se empregavam nas especulações da costa da África. Esses recursos foram novos e fortes estímulos para as tendências pacíficas de nossa sociedade concorreram poderosamente para o desenvolvimento industrial e comercial que se observou entre nós”.[7] James Fletcher que esteve no Brasil por várias vezes entre 1851 e 1869 admirava não somente os atributos geográficos e as riquezas naturais do país mas a tecnologia ao elogiar o sistema de placas que direcionavam o trânsito nas ruas estreitas do Rio de Janeiro assim como a iluminação pública acesa todas as noites enquanto que nos Estados Unidos muitas cidades desligavam as luzes das ruas nas noites de lua cheia.[8]  Por um lado em São Paulo o sistema de iluminação introduzido em 1829, que não era ligado nas noites de lua cheia, é descrito  como “uma enorme geringonça de ferro, pregada na parede de uma esquina, estendida por cima da rua por um longo braço em cuja extremidade estava dependurado um lampião. Colocados de longe em longe nas ruas principais, a luz desses lampiões, alimentados  com azeite de peixe, difundia uma claridade mortiça, que só alumiava um pequeno espaço, projetando longas sombras movediças, quando o vento balançava os lampiões”[9]. Os lampiões de querosene são de meados do século XIX.[10]



[1] Visconde de Mauá: pioneiro da indústria brasileira, Grandes figuras em quadrinhos, n.9, Rio de Janeiro:Ed. Brasil-America, EBAL, 1959; TELLES, Pedro Carlos da Silva. História da Engenharia no Brasil: séculos XVI a XIX, Rio de Janeiro:Clube de Engenharia, 1994, p.178, 319, 367

[2] GERSON, Brasil. História das ruas do Rio, Rio de Janeiro: Brasiliana, 1965, p. 66

[3] NOVAIS, Fernando. História da vida privada no Brasil , v.2, São Paulo:Companhia das Letras, 2019. Edição do Kindle, p.71

[4] TOLEDO, Roberto Pompeu de. A capital da solidão, Rio de Janeiro: Objetiva, 2012, p. 397

[5] HOLANDA, Sérgio Buarque. O Brasil monárquico: reações e transações, t.II, v.3, São Paulo:Difusão Europeia, 1967, p.37

[6] HOLANDA, Sérgio Buarque. O Brasil monárquico: reações e transações, t.II, v.3, São Paulo:Difusão Europeia, 1967, p.35

[7] HOLANDA, Sérgio Buarque. O Brasil monárquico: reações e transações, t.II, v.3, São Paulo:Difusão Europeia, 1967, p.82

[8] CECILIA, Ana; MARTINS, Impellizieri; SOHACZEWSKI, Monique. As descobertas do Brasil, Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2014, p.110

[9] TOLEDO, Roberto Pompeu de. A capital da solidão, Rio de Janeiro: Objetiva, 2012, p. 363

[10] NOVAIS, Fernando. História da vida privada no Brasil , v.1, São Paulo:Companhia das Letras, 2018. Edição do Kindle, p.92



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