domingo, 28 de novembro de 2021

A decifração dos hieroglifos egípcios

 

A decifração da cartucha encontrada no obelisco de Filae pelo físico britânico Thomas Young (1773-1829) com trabalhos em óptica e que representa os nomes de Cleópatra e Ptolomeu[1] foi fundamental para Champollion decifrar os hieróglifos da Pedra de Rosetta (hoje no Museu Britânico[2] trazida em 1802 após a captura dos franceses) pois as mesmas cartuchas são identificadas na pedra descoberta na campanha de Napoleão em 1799 no Egito[3]. Zoega reconheceu que nas cartuchas que envolviam em um retângulo ovalado alguns nomes vereiam estar se referindo a nomes importantes de faraós. Joahan Akerblad que conseguiu identificar alguns nomes nas primeiras linhas da pedra tais como Ptolomeu. Young utilizou o trabalho destes egiptólogos para suas conclusões.[4] Antes de Champollion alguns eruditos como Tandeau de Saint Nicholas acreditavam que os hieróglifos não eram uma forma de escrita mas puramente ornamentais.[5] Os hieróglifos começam como gravuras inscritas na pedra, marco da vitória da habilidade egípcia sobre a matéria.[6] A pedra registra o decreto de Mênfis do período de Ptolomeu V (196 a.c.) escrita em grego, demótico egípcio[7] e hieróglifo egípcio.[8] Champollion compreendeu que as representações dos hieróglifos não eram ideogramas mas símbolos fonéticos o que levou a uma correspondência com as letras gregas.[9] A palavra cartucha é de origem francesa atribuída pelos soldados de Napoleão pelo fato dessas formas ovais assemelharem-se a cartuchos de fuzil.[10] Em 1822 Champollion publicou seu trabalho em “Carta a M. Dacier referente ao alfabeto dos hieróglifos fonéticos”.[11] Thomas Young e Edmé François Jomard, este último membro da comissão científica de Napoleão, se recusaram a aceitar o trabalho de Champollion, o que viria a acontecer apenas após trinta e cinco anos quando Champollion já havia falecido.[12] Karl Richard Lepsius, posteriormente diretor do Museu Egípcio de Berlim, descobriu em 1842 nas ruínas de Canopo um texto bilíngue conhecido como “Decreto de Canopo” redigido tal como a Pedra de Rosetta em hieroglífico, demótico e grego que viria a propor um novo sistema de transcrição dos hieróglifos confirmando e ampliando o trabalho de Champollion.[13] Quando talhados na madeira ou na pedra os hieróglifos assumiam aspectos decorativos. À medida em que começa a ser usado o papiro como suporte desenvolveu-se a escrita hierática, na quarta dinastia, com os sinais simplificados para uma escrita mais rápida. O hierático, termo cunhado por Clemente de Alexandria[14], foi sucedido pelo demótico por volta de 600 a.c. na XXVI Dinastia (Saíta)[15] em que desapareceram todos os elementos pictóricos. Com o declínio dos faraós e sob domínio romano no século III o demótico foi substituído pelo grego.[16] Com a decifração dos hieróglifos por Champollion desfez-se toda uma literatura medieval esotérica construída em torno de inscrições incorretamente traduzidas[17]. Segundo Paul Johnson: “a descoberta dos princípios hieroglíficos destruiu, de uma vez por todas, o pretencioso monumento de absurdos que, praticamente por dois milênios, se erguera baseado em um falso simbolismo. Ela acabou com o mito do conhecimento esotérico dos antigos egípcios (que nunca existira !), mas, em compensação, permitiu aos estudiosos começarem uma série reconstrução da autêntica história egípcia, sua verdadeira maneira de viver, sua religião e sua cultura”. [18] Van Loon idealizou um exemplo de codificação em hieróglifo que mostra como os símbolos ora representavam ideias ou sons: “Soldados às armas !”.[19]

[1] ROSSI, Renzo. Tutankamon, Lisboa:Público, 2009, p.170; EYDOUX, Henri Paul. Á procura dos mundos perdidos, São Paulo:Melhoramentos, 1967, p. 17

[2] British Museum Guide, London, 1976, p.27

[3] CASSON, Lionel. O antigo Egito. Rio de Janeiro:José Olympio, 1969, p.163; JOHNSON, Paul. História Ilustrada do Egito. Rio de Janeiro:Ediouro, 2002, p. 364; WEST, John Anthony. The traveler’s key to ancient Egypt, New York:Quest, 2012, p. 36

[4] GRINBERG, Carl. O império das pirâmides, História Universal, v.2, Santiago: Europa América,1989, p. 20

[5] BERLITZ, Charles. As línguas do mundo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988, p. 128

[6] JOHNSON, Paul. História Ilustrada do Egito. Rio de Janeiro:Ediouro, 2002, p. 280

[7] KI-ZERBO, Joseph, História geral da África, I: Metodologia e pré-história da África, Brasília : UNESCO, 2010, p.67

[8] STROUHAL, Eugen. A vida no antigo Egito. Barcelona:Folio, 2007, p. 217; British Museum Souvenir Guide, Belgium, 2004, p.29

[9] ULRICH, Paul. Os grades enigmas das civilizações desaparecidas, Grécia, Roma e Oriente Médio, Rio de Janeiro, Otto Pierre Ed, 1978, p.177

[10] WHITE, Jon Manchip. O Egito Antigo, Rio de Janeiro:Zahar, 1966, p. 167

[11] ANGELL, Christopher. Dentro das pirâmides do Egito. Seleções do Reader’s Digest, Os últimos mistérios do mundo, Lisboa, 1979, p.190; VERCOUTTER, Jean. Em busca do Egito esquecido. Rio de Janeiro:Objetiva, 2002, p.7

[12] WEST, John Anthony. The traveler’s key to ancient Egypt, New York:Quest, 2012, p. 38

[13] EYDOUX, Henri Paul. Á procura dos mundos perdidos, São Paulo:Melhoramentos, 1967, p. 21

[14] JOHNSON, Paul. História Ilustrada do Egito. Rio de Janeiro:Ediouro, 2002, p. 254

[15] GONTIJO, Silvana. O mundo em comunicação, Rio de Janeiro:Aeroplano, 2001, p.40; JOHNSON, Paul. História Ilustrada do Egito. Rio de Janeiro:Ediouro, 2002, p. 254

[16] JOHNSON, Paul. História Ilustrada do Egito. Rio de Janeiro:Ediouro, 2002, p. 350

[17] YATES, Frances. Giordano Bruno e a tradição hermética, São Paulo:Cultrix, 1995, p. 459

[18] JOHNSON, Paul. História Ilustrada do Egito. Rio de Janeiro:Ediouro, 2002, p. 365

[19] SABATO, Ernesto. Nosso universo maravilhoso, Rio de Janeiro:Brasil Lê, v.I, p.21



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