sábado, 2 de outubro de 2021

O escravo como animal de carga

 

O missionário metodista norte americano Daniel Kidder (Brazil and the brazilians, London, 1857) ao visitar Salvador em 1840 denominou como singular o fato de importante cidade ainda se utilizar do transporte de palanquins e transporte da elite aos ombros de escravos. Nem mesmo o uso de tração animal era utilizada, quando nas cidades mais importantes europeias já se encontrava em uso os chamados “cavalos de ferro” com tração por máquina a vapor [1] Em Alagoas, Kidder se admira pelo fato de não se aproveitar a mula como besta de carga, sendo ainda se uso comum o tradicional carro rústico de madeira puxado por bois. Kidder observa que a elite se ocupava de profissões liberais: “qualquer coisa assim do gênero de um grande mecânico ou comerciante, creio que nunca se viu”[2]. Em 1838 Charles Wilkes no Rio de Janeiro observa que quase todo transporte era feito sobre o ombro ou à cabeça de escravos. O cônsul geral da Inglaterra no Rio de Janeiro Henry Chamberlain em 1823 se refere a presença da escravidão no cotidiano da cidade: “acostumados a não fazer nada, a ver só os negros trabalharem, os brasileiros em geral estão convencidos de que os escravos são necessários como animais de carga, sem os quais os brancos não poderiam viver”.[3] Quando da independência do Brasil José Bonifácio contratou o almirante inglês Thomas Cochrane para comandar a marinha brasileira valendo-se de sua experiência nas batalhas de independência do Chile e do Peru. Ao visitar os navios recém construídos o Almirante inglês logo pode observar que os marinheiros, portugueses ou brasileiros eram tão “fidalgos” que não limavam seus próprios beliches, usando criados para tal serviço, numa demonstração do preconceito contra o trabalho por parte dos homens livres.[4] O mineralogista inglês John Mawe que esteve em Minas Gerais em 1809 depois de observar o funcionamento de monjolos de engenhos de açúcar, impressionado por sua eficiência denominou-os de sloth (preguiça) uma vez que o aparelho sendo impelido pela roda d’água, dispensava o trabalho humano, estimulando a ociosidade.[5]



[1]FREYRE, Gilberto. Sobrados e Mucambos. São Paulo: Ed. Record, 1998, p. 495.

[2] RODRIGUES, José Honório. As aspirações nacionais. São Paulo: Fulgor, 1963, p. 48

[3] GOMES, Laurentino. 1822, Rio de Janeiro:Globo Livros, 2015, p.250

[4] FIORE, Elizabeth. Presença britânica no Brasil (1808-1914). São Paulo:Pau Brasil, 1987, p. 66

[5] MAWE, John. Viagens ao interior do Brasil. São Paulo: USP, 1978, p. 104; RODRIGUES.op. cit. p. 125.



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