O escorbuto
era uma doença que provocava muitas mortes nas viagens de longa duração. Nos
versos de Camões em Os Lusíadas (Canto V, 81-82): “E foi que de doença crua
e feia, / A mais que eu nunca vi, / desampararam Muitos a vida, / e em terra estranha
e alheia / Os ossos para sempre sepultaram. / Quem haverá que, sem o ver, o
creia? / Que tão disformemente ali lhe incharam / As gengivas na boca, que
crescia / A carne, e juntamente apodrecia. / Apodrecia com um fétido e bruto / Cheiro,
que o ar vizinho inficionava; / Não tínhamos ali médico astuto, / Cirurgião
subtil menos se achava; / Mas qualquer, neste ofício pouco instructo, / Pela
carne já podre assim cortava / Como se fora morta, e bem convinha, / Pois que
morto ficava quem a tinha”. Sérgio Buarque de Holanda, mostra que a frota
de Cabral ao chegar na Índia foi recebida pelo rei de Melinde que mandou o
comandante levar a bordo muitas galinhas, patos, limões e laranjas “as
melhores do mundo”. O Piloto Anônimo[1] acrescenta que “em nossos navios tínhamos alguns doentes da boca [escorbuto]
e com aquelas laranjas ficaram sãos”. No diário de bordo de Vasco Gama ele descreve
um dos primeiros relatos de escorbuto na história das navegações e relata “Estivemos
neste rio [na África rumo à Moçambique] por 32 dias, durante os quais
armazenamos água, limpamos os navios e consertamos o mastro da São Rafael.
Muitos de nossos homens adoeceram neste período. Os pés e as mãos inchavam e as
gengivas cresciam tanto sobre os dentes que não podiam comer”.[2] De fato,
os registros mostram que apenas três marinheiros morreram de escorbuto na frota
de Cabral o que contrata com navegações posteriores como na viagem de Vasco da
Gama em 1502 onde morreram mais da metade da tripulação. Georg Friederici
associa as mortes por escorbuto como uma das razões da decadência da marinha
lusitana.[3] O
exemplo mostra que os fundamentos do experimentalismo, neste caso, não foram
absorvidos pelos portugueses, muito embora uma das razões para sua não difusão
estaria no fato de que os frutos não se conservavam em longas travessias que
poderiam levar semanas. Em 1593 Richard Hawkins ao aportar na barra de Vitória
no Espírito Santo provisionou seu navio com laranjas e limões distribuindo-os a
seus marinheiros, o bastante para curarem-se do escorbuto: “é maravilhoso
segredo do poder e sabedoria de Deus o encobrir virtude tamanha e tão mal
sabida dessa fruta”.[4] Em 1601 o capitão inglês James Lancaster
comandou quatro navios que partiram da Inglaterra em direção à Índia. Em um dos
navios os tripulantes tomaram ao longo da viagem suco de limão sem registro de
mortes por escorbuto. Nos demais três navios morreram 110 dos 278 marinheiros
pela doença. Apesar de identificada a solução, os resultados ainda não se
mostravam claros. Em 1747 James Lind, um médico inglês, tendo conhecimento dos
resultados obtidos na viagem de Lancaster realizou outro experimento no navio
HMS Salisbury em que os pacientes com escorbuto foram curados após poucos dias
de tomarem suco de limão e laranja. Em
1753 James Lind publicou A Treatise of the Scurvy e, em 1757, An
Essay on the Most Effectual Means of Preserving the Health of Seamen in the
Royal Navy onde dava conta das
condições de vida deploráveis dos marinheiros e das suas dietas deficitárias. Ainda
com estes resultados foi somente em 1795 que a Marinha inglesa adotou medidas
para ingestão de cítricos antes das viagens. Everett Rogers argumenta que a
solução proposta por James Lind não foi adotada porque ele não era considerado
um médico de grande prestígio.[5] Os
marinheiros ingleses ficaram desde então conhecidos, num termo pejorativo usado
por americanos e canadenses, como limeys, com origem em lime juice, pelo
consumo de sumo de limão.
[1] RODRIGUES, José Honório. História da história do Brasil, São Paulo: Cia Editora
Nacional, 1979, p.7
[2] VELHO, Álvaro. O descobrimento das Índias: o diário da Viagem de Vasco da Gama,
Rio de Janeiro: Objetiva, 1998, p. 55
[3] HOLANDA, Sérgio Buarque
de. Visões do Paraíso. São Paulo: Brasiliense, 2000, p. 322
[4] HOLANDA, Sérgio Buarque
de. Visões do Paraíso. São Paulo: Brasiliense, 2000, p. 325
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