sexta-feira, 15 de outubro de 2021

As primeiras viagens portuguesas e a busca de especiarias

 

Diogo Couto em 1602 escreve: “Os reis de Portugal sempre procuraram na conquista do oriente ao unirem os dois poderes, espiritual e temporal, que um não pudesse ser exercido sem o outro”. Em Goa, onde em 1510 Afonso Albuquerque pela primeira vez fundou uma cidade portuguesa, ao invés do estabelecimento de meras feitorias, como até então vinha sendo feito[1], o franciscano Paulo de Trindade escreve em 1638 “As duas espadas do poder civil e do poder eclesiástico andaram sempre tão unidas na conquista do Oriente que raramente encontramos uma a ser utilizada sem a outra; porque as armas só conquistaram através do direito que a pregação do Evangelho lhes dava, e a pregação só servia para alguma coisa quando era acompanhada e protegida pelas armas”.[2] Uma carta do primeiro vice rei Francisco de Almeida enviada a D. Manuel mostra os interesses portugueses na quebra do monopólio de especiarias de Veneza: “Toda a nossa força seja no mar. Desistamos de nos apropriar da terra. As tradições antigas de conquista, o império sobre reinos tão distantes não convém [...] Com as nossas esquadras teremos seguro o mar e protegidos os indígenas em cujo nome reinaremos  de fato sobre a Índia; e se o que queremos são os produtos dela, o nosso império marítimo assegurará o monopólio português contra o turco e o veneziano”. Perguntado por dois mouros em Tunis que falavam espanhol, ao chegar em Calicute (chamada Malabar pelos árabes e Querala pelos hindus) em 21 de maio de 1498, conforme o relato de Álvaro Velho que escreveu o diário de borde de Vasco da Gama: “Al diablo que te doy ! Quien te triuxe acá ? / que diabos é que os trouxe aqui ?”[3], Vasco da Gama respondeu: “Viemos procurar cristãos e especiarias”.[4][5] O samorim (do malabar samuttiri) se queixa diante de Vasco da Gama que se seu interesse era de homens então teria de ter trazido alguns presentes. Os portugueses haviam trazido apenas doze brasões, quatro colares de coral, quatro capuzes de lã tingida de vermelho, seis chapéus, um fardo de bacias, uma caixa de açúcar e quatro barris sendo dois de azeite e dois de mel ao qual o mouro que os respondeu segundo o relato de Álvaro Velho: “Como aqui é costume que não se leve nada ao rei sem antes mostrar ao mouro, o capitão assim o fez. Eles vieram e começaram a rir, dizendo que nada daquilo era coisa para se mandar a el rei, que o mais pobre mercador que vinha de Meca, ou dos índios, lhe dava muito mais que aquilo. Se queria lhe oferecer algo, que lhe mandasse algum ouro, porque el rei não havia de aceitar aquelas coisas”. [6] Em novo encontro com o samorim o relato de Álvaro Velho deixa claro que seu interesse na Índia era fundamentalmente pela busca de especiarias: pois seu objetivo era o de “meramente para fazer descobertas. O rei perguntou-lhe então o que fora descobrir: pedras ou homens ? Se fora para descobrir homens, por que não trouxera nada ?”[7].  Vasco da Gama informou ao samorim que o rei português enviara seus navios para encontrar reis cristãos “por esta razão mandavam navios para descobrir este terra, e não porque lhes fosse necessário ouro e prata, que tinham em abundância”.[8] De Calicute Vasco da Gama, que não conseguira instalar uma feitoria como planejado, partiu em agosto de 1498 “com grande regozijo pela nossa sorte em termos feito tão grande descoberta [...] pois já tínhamos achado e descoberto o que vínhamos buscar assim de especiarias como de pedras preciosas”. Vasco da Gama envia ao rei português, sem a viagem de volta, uma carta escrita por Diogo Dias: “Vasco da Gama, fidalgo de vossa casa, veio a minha terra; com o qual eu folguei. Em minha terra há muita canela e muito cravo e gengibre e pimenta e muitas pedras preciosas. E o que quero da tua é ouro e prata, e coral e escarlata”. [9] No retorno a Lisboa haviam apenas 55 marinheiros, uma vez que 115 haviam morrido na viagem.



[1[ MARTINS, Oliveira. História de Portugal, Lisboa: Versial, 2010, p.192. Edição do Kindle

[2] BOXER, Charles. O império colonial português, Lisboa: Edições 70, 1969, p. 224

[3] MARTINS, Oliveira. História de Portugal, Lisboa: Versial, 2010, p.162. Edição do Kindle; VELHO, Álvaro. O descobrimento das Índias: o diário da Viagem de Vasco da Gama, Rio de Janeiro: Objetiva, 1998, p. 75

[4] BOXER, Charles. O império colonial português (1415-1825). Lisboa:Edições 70, 1960, p. 58

[5] CAMINHA. João Carlos. História marítima. Rio de Janeiro: Bibliex, 1980, p. 60

[6] VELHO, Álvaro. O descobrimento das Índias: o diário da Viagem de Vasco da Gama, Rio de Janeiro: Objetiva, 1998, p. 84

[7] VELHO, Álvaro. O descobrimento das Índias: o diário da Viagem de Vasco da Gama, Rio de Janeiro: Objetiva, 1998, p. 86

[8] VELHO, Álvaro. O descobrimento das Índias: o diário da Viagem de Vasco da Gama, Rio de Janeiro: Objetiva, 1998, p. 83

[9] VELHO, Álvaro. O descobrimento das Índias: o diário da Viagem de Vasco da Gama, Rio de Janeiro: Objetiva, 1998, p. 97



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