terça-feira, 19 de outubro de 2021

Faisqueiros

 

Charles Boxer destacava o primitivo processo de lavagem e peneiração para extração do ouro e que usava como único instrumento a bateia.[1] Segundo o viajante inglês do século XIX Richard Burton os garimpeiros que extraíam o ouro de aluvião eram conhecidos como “faiscadores”[2] ou “faisqueiros”[3] em referência às pepitas de ouro que reluziam ao sol como faíscas em meio à lama.[4] Russell Wood destaca  maior liberdade de ação dos faisqueiros[5]: “Não só o escravo nas áreas de mineração tinha um grau incomum de liberdade física como faisqueiro como muitos podem ter possuído o conhecimento técnico para explorara as jazidas de ouro em seu próprio proveito”. Francisco Andrade destaca que havia diferença entre os escravos de lavra e os escravos faiscadores. Os primeiros deviam atuar em um determinado local, conforme as suas posições no processo de trabalho sob rígido controle dos capazes. Os faiscadores, no entanto,  integravam-se  às  lavras  com  relativa  autonomia,  com maior mobilidade física, manipulando  o  plano administrativo concebido pelos senhores, tendo maior incentivo para comprar sua alforria.[6] Em meio ao local de mineração era comum a presença de negras de tabuleiro para venda ambulante de comida, ainda que Russel Wood aponte que algumas pudessem estar relacionadas a prática de prostituição ou ocultação de pepitas de ouro e diamantes encontradas na lavra pelos faiscadores: “As mulheres escravas também tinham uma liberdade considerável, sob o pretexto de especular por ouro. Mestres inescrupulosos enviavam escravas para garimpar ouro, mas não lhes davam nem mesmo uma picareta. No final da semana, o mestre exigia suas receitas, totalmente ciente que estas foram ganhos pela prostituição, em vez de garimpar. Uma variante era o acordo legal entre o mestre e uma escrava que ela seria coartada, ou seja, que ela era obrigada a pagar dentro de um tempo especificado, uma quantidade de ouro mutuamente acordada por ambos partes, ou continuar em cativeiro. Essas escravas perambulavam pelas áreas de mineração, retirando ouro em pó de todas as fontes possíveis”.[7] Júnia Furtado mostra que em Serro Frio em 1736 sessenta vendas do pequeno comércio de comestíveis e bebidas eram propriedade de mulheres, a maioria pretas forras ou escravas, o que representa 80% das vendas desse comércio na Comarca. As Devassas Eclesiásticas  aponta mulheres de comércio de tabuleiro junto dos serviços minerais entre as queixas. Tais negras de tabuleiro foram alvo de perseguições acuadas de facilitar extravios e de se envolver em prostituição e desordens.[8]

[1] BOXER, Charles. A idade de ouro do Brasil: dores de crescimento de uma sociedade colonial. São Paulo:Cia Editora Nacional, 1969, p. 61

[2] SIMONSEN, Roberto. História Econômica do Brasil, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1962, p.274

[3] BOXER, Charles. A idade de ouro do Brasil: dores de crescimento de uma sociedade colonial. São Paulo:Cia Editora Nacional, 1969, p. 60

[4] GOMES, Laurentino. Escravidão v. II, Rio de Janeiro:GloboLivros, 2021, p. 63; BURTON, Richard Francis, 1821-1890. Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho / Richard Burton ; Brasília : Senado Federal, Conselho Editorial, 2001. http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/1116

[5] RUSSELL WOOD, Escravos e libertos no Brasil colônia, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p.60, 181

[6] ANDRADE, Francisco. Estilo de mineirar ouro nas minas gerais escravistas xec XVIII, Revista de História de São Paulo, n.168 junho 2013, p. 382-413 https://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/59418/62586

[7] RUSSELL WOOD, Escravos e libertos no Brasil colônia, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p.66; RUSSELL-WOOD, Anthony J. R. Technology and society: The impact of gold mining on the institution of slavery in Portuguese America. The Journal of Economic History. Cambridge, v. 37, n. 1, mar. 1977, p. 60

[8] FURTADO, Júnia Ferreira. Homens de negócio, São Paulo: Hucitec, 2006, p. 237, 270



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