A Escola Sociológica Paulista da década de 1960, em
autores como Florestan Fernandes, reforçou o entendimento de que havia um
processo de "coisificação" subjetiva e/ou social dos escravos no
Brasil. Gilberto Freire registra anúncios de jornal da capital em 1830 de
escravos fugidos em que são tratados como simples animais: “vende-se três
escravos, um macho e duas fêmeas, ambas lavadeiras” ou então “vende-se uma
escrava crioule de 22 anos parida há três meses e própria para criar”.[1] Em Capitalismo
e escravidão no Brasil meridional, o sociólogo paulista Fernando Henrique
Cardoso ao estudar os vaqueiros do Rio Grande do Sul retrata a escravidão na produção
de charque e couro em Laguna como sendo um regime regido sobretudo pela
violência e o antagonismo entre senhores e escravos, desfazendo o mito de uma
suposta democracia racial [2]: “A
hipótese sobre a brutalidade corrente nas relações entre senhores e escravos encontra
afirmação em inúmeros testemunhos e registros. Além disso, numa sociedade onde
o regime patrimonialista de mando era pervertido por causa das condições
históricas peculiares, a coerção necessária à manutenção do regime escravocrata
teria de exercer-se dentro de padrões que supunham a violência como trato
normal [...] A reificação do escravo produzia-se objetiva e subjetivamente. Por
um lado, tornava-se uma peça cuja necessidade social era criada e regulada pelo
mecanismo econômico de produção. Por outro lado, o escravo autorepresentava-se
e era representado pelos homens livres como um ser incapaz de ação autônomica”.
Esta perspectiva tem sido ponderada a partir dos anos 1980 por uma abordagem
que leve em conta as formas, além da violência pura e simples, que permitiram que
a sociedade escravista pudesse se manter por séculos, considerando as
diferentes formas de negociação entre senhores e escravos. Busca-se uma
aproximação de "um mundo criado pelos escravos na sua permanente
negociação com os senhores"[3] Autores
como Sidney Chalhoub, Beatriz Galloti Mamigonian, Manolo Florentino e Henrique Espada
Lima Filho mostram que o escravo mesmo em um espaço rigidamente delimitado não
pode ser visto como um ser inerte, pelo contrário, ele é capaz de engendrar
estratégias, planos e ter uma interação com o meio, ou seja, a capacidade de se
afirmar na sociedade de algum modo.[4] Para
Jacob Gorender[5] (figura) “o escravo não é coisa, mas ser humano levemente limitado por um estatuto
social inferior. Tem espaço para se manifestar como agente do ambiente em que
convive com os senhores. Não havia razão para muita queixa do destino que lhe
coube. Admirável mundo velho”.
[1] FREIRE, Gilberto. O
escravo nos anúncios de jornais brasileiros do século XIX, Brasialan v. 370,
São Paulo: Ed. Nacional, 1979, p. 47
[2] RUSSELL WOOD, Escravos e libertos no Brasil colônia, Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2005, p.100
[3] FONSECA, Marcus
Vinícius. Educação dos negros. Bragança Paulista: EDUSF, 2002
[4] FLORENTINO, Luiz
Felipe. O escravo no Brasil enquanto figura inerte: uma análise sobre a postura
dos cativos e os mecanismos de dominação. Temporalidades Revista de História,
UFMG, janeiro 2016
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