sábado, 2 de outubro de 2021

Escravos da religião

 

Sacerdotes de ordens religiosas, inclusive a Companhia de Jesus, tinham escravos, por exemplo Frei Manuel Calado (do Salvador)  (1584 –1654) da Ordem de São Paulo da Congregação dos Eremitas tinha 25 escravos à época da das Invasões holandesas do Brasil, em Pernambuco.[1] Em 1783 o mosteiro de São Bento vendeu a alforria de quatro de seus escravos e usou o dinheiro para comprar outros sete escravos.[2] Um documento de 1775 mostra que os frades carmelitas descalços de Nossa Senhora do Carmo da Bahia tinham 34 escravos e 7 escravas. As 81 clarissas no Mosteiro do Desterro na cidade de Salvador tinham 290 escravos e 8 escravas.[3] José do Patrocínio era filho de um padre com uma de suas escravas.[4] Entre as propriedades da Companhia de Jesus destacava-se a Fazenda Santa Cruz que chegou a ter 1200 escravos que gozavam de significativa autonomia, com permissão de cultivar suas roças, comercializar seus produtos, dispondo de periódicas folgas no trabalho regular para cuidar de seus interesses. Segundo Couto Reis (1804) o sistema jesuítico era “criador, piedoso, econômico, preocupado com a sobrevivência dos escravos chefes de família que deveriam viver contentes, vestir-se e manter suas mulheres, ficando a subsistência dos filhos por conta da fazenda”.[5] Segundo depoimento do traficante de escravos João de Oliveira vários escravos foram enviados como presente para irmandades católicas tendo ajudado na construção da capela da Igreja de Nossa Senhora da Imaculada Conceição dos Militares em Recife no século XVIII.[6] Enviado como escravo de volta para Africa, João de Oliveira passou a enviar escravos para seu antigo proprietário para reembolsar o valor de sua liberdade, e nessa prática, tornou-se traficante de escravos.[7] Vitor Hugo Monteiro Franco em seu livro “Escravos da religião” mostra que ao pesquisar nos arquivos da Ordem de São Bento descobriu em um livro de batismos a referência a “escravos da religião” ao se referir a nascimentos da propriedade rural mantida pelos beneditinos na Baixada Fluminense, a Fazenda São Bento de Iguassú. Os registros mostram que em 1871, quando os escravos foram emancipados, havia somente entre os beneditino um  total de quatro mil escravos. Uma lei de 1869 instituiu que as instituições religiosas deveriam libertar todos os seus escravos em um prazo de dez anos. Os beneditinos já haviam decidido pela libertação de todas as crianças nascidas desde 1866. Segundo Robson Pedrosa em seu livro “Os escravos do santo” havia um incentivo para as escravas terem filhos: "As mulheres que procriavam pelo menos seis filhos conseguiam privilégios, tais como não realizarem trabalhos 'penosos'". Apesar da valorização do casamento, a maioria destas escravas eram solteiras, pois haviam tido seus filhos com escravos de outras fazendas o que poderia levar a problemas de litígio quanto à propriedade dos filhos. Vítor Franco cita um caso no século XVIII em uma fazenda dos beneditinos em Cabo Frio, em que dois monges foram presos depois de matarem, de tanto espancar, um escravizado.[8]



[1] MARTINS, Wilson. História da inteligência brasileira, v.I (1550-1794), São Paulo:USP, 1976, p. 248

[2] GOMES, Laurentino. Escravidão, v.II, São Paulo: Globo, 2021. p.232

[3] MATOS, Henrique. Caminhando pela história da Igreja, Belo Horizonte: O lutador, 1995, p. 132

[4] CARVALHO, José Murilo. A construção nacional 1830-1889, Rio de Janeiro: Objetiva, 2012, p. 26

[5] NETO, Miranda. Fazenda Santa Cruiz: potência jesuítica 1589-1759. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro, a. 24, n. 24, p.45, 2017

[6] NARLOCH, Leandro. Escravos. Rio de Janeiro: Estação Brasil, 2017. p.80

[7] GOMES, Laurentino. Escravidão v. II, Rio de Janeiro:GloboLivros, 2021, p. 173

[8] https://www.bbc.com/portuguese/geral-57099524



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