domingo, 10 de outubro de 2021

Da língua brasílica ao português

 

Os jesuítas na busca de uma catequização mais efetiva compuseram gramáticas da língua tupinambá com José de Anchieta em 1595 e o padre Luís Figueira em 1621, além de um catecismo na língua tupinambá em 1618, o “Catecismo na língua brasílica”.[1] Hans Staden e Jean Léry se referem a esta “língua dos selvagens” que a partir do século XVII será denominada “língua brasílica”.  Apesar do padre Vieira (1660) à dita língua geral como uma língua do tronco tupi que se opõe à língua nheengatu de caboclos, caipiras e curibocas, os nheengambas. No século XVIII a língua geral passa a se referir á língua da população mestiça ao passo que a língua tupinambá se refere à língua dos índios do Pará. A designação da língua como tupi ocorre apenas no século XIX quando os tupinambás estão praticante dizimados[2]. Na Revista da Exposição Anthropologica de 1882, Ladislau Netto observa ao comentar sobre o imperador Pedro II  que o “próprio soberano brasileiro (…) se há consagrado em horas de lazer ao estudo acurado da extensa língua guarano-tupí, ou língua geral da América austral cisandina”[3] Segundo Gilberto Freyre uma evidência de uma integração do português com o indígena se verifica na evolução do idioma português que acolheu elementos destas diferentes matizes da cultura nacional: “o ideal não me parece que deva ser o de uma língua portuguesa hirta [inflexível], cuja conservação pura no Brasil nos custasse uma expressão deformada e até falsa de nossa vida. Muito menos o de uma “língua brasileira”  que nos separasse de Portugal o mais possível pela consagração de tudo que fsse gíria arrevesada ao mesmo de arcaísmos peculiares ao Brasil. O ideal seria uma língua transnacional, que correspondesse aos desejos de aproximação e ao mesmo tempo aos de diversidade dos povos da América, da África, da Ásia, das ilhas como formam com Portugal uma unidade essencial de sentimento e de cultura”.[4] Edith Pimentel em “O português no Brasil: época colonial” mostra como a língua portuguesa ganhou mais importância a partir do século XVIII com marquês de Pombal[5], em especial com o decreto de 1755 que institui a obrigatoriedade do uso do português nas aldeias indígenas e nas escolas silvícolas, diante dos dois grandes troncos linguísticos indígenas: na bacia dos rios Paraná e Paraguai os guarani, os tupi e os tapuias (designição dos portugueses aos não tupi); na bacia amazônica, os tupi, aruaque caribe, o nheengatu e na região central os jê.[6] Em 1795 o padre Luís de Figueira publica em Lisboa “Arte Gramática da Língua do Brasil” quando no Brasil já em grande maioria se falava o português. Mesmo na região Amazônica o padre Aires do casal relata que já em 1755 o português começou a ser de uso comum, pois até então todos falavam tupi mesmo para os oradores no púlpito.[7] Até o final do século XVIII o latim foi a principal língua culta seguido do francês[8]. No nordeste do ciclo do açúcar o português torna-se predominante já em inícios do século XVII.



[1] NOVAIS, Fernando. História da vida privada no Brasil , v.1, São Paulo:Companhia das Letras, 2018. Edição do Kindle, p.247 https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/7696

[2] FILHO, Ivan Alves. História pré colonial do Brasil, Rio de Janeiro: Europa Editora, 1987, p.204

[3] MAIO, Marcos Chor; Santos, Ricardo Ventura. Raça, ciência e sociedade (p. 17). SciELO - Editora FIOCRUZ. Edição do Kindle

[4] FREYRE, Gilberto. O mundo que o português criou, Recife; É Realizações, 2010, p. 41

[5] NOVAIS, Fernando. História da vida privada no Brasil , v.1, São Paulo:Companhia das Letras, 2018. Edição do Kindle, p.250

[6] NOVAIS, Fernando. História da vida privada no Brasil , v.1, São Paulo:Companhia das Letras, 2018. Edição do Kindle, p.245

[7] MARTINS, Wilson. História da inteligência brasileira, v.I (1550-1794), São Paulo:USP, 1976, p. 535

[8] NOVAIS, Fernando. História da vida privada no Brasil , v.1, São Paulo:Companhia das Letras, 2018. Edição do Kindle, p.283; GARCIA, Fernando Cacciatore. Como escrever a história do Brasil, Porto Alegre: Sulina, 2014, p. 370



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Doação de Constantino

  Marc Bloch observa a ocorrência de falsificações piedosas tais como a pseudo doação de Constantino ( Constitutum Donatio Constantini ) ao ...