sábado, 23 de outubro de 2021

A cachaça e a escravidão

 

Segundo Manolo Florentino a cachaça (giribita) era um dos produtos mais valorizados na troca de escravos com Angola.[1] O governador Rodrigo José de Mezes destaca suas propriedades fortificantes particularmente úteis para os escravos enfrentarem a lida do dia a dia.[2] Russell Wool destaca que a cachaça era muito apreciada na Baixa Guiné e África Central e a alternativa preferida aos vinhos e conhaques de Portugal e Madeira. [3] Uma ordem régia de 1649 já proibira a venda de cachaça, no entanto a medida de difícil implementação a ponto do padre Vieira em 1662 denunciar que toda a cachaça produzida já estava vendida antes mesmo de sair dos alambiques. [4] Em 1659 em nova proibição as disposições régias previam que se o fabricante clandestino de aguardente fosse “homem de qualidade” seria condenado a seis meses de prisão além de multa de cem cruzados, se fosse escravo seria açoitado nas ruas[5]. Em 1660 um aumento na tarifação da cachaça levou a uma revolta popular liderada por Jerônimo Barbalho Bezerra, quando Salvador Correi de Sá era governador do Rio de Janeiro[6]. A partir do século XVIII os portugueses cuidavam o comércio europeu, enquanto que os brasileiros ficavam com o comércio com a África, de modo que os traficantes brasileiros tornaram-se cada vez mais poderosos, com fortunas maiores do que muitos fazendeiros e mineradores, além de promoverem a produção local de produtos e um comércio interno[7]. Em 1743 a Coroa através de uma Ordem do Conselho Ultramarino proibira a produção de cachaça em Minas Gerais. Este mesmo dispositivo proibia a construção de engenhos de açúcar e aguardente, no entanto, depoimento do governador da capitania Antonio de Noronha de 1777 relata que a determinação vinha sendo burlada.[8] Em 1798 existiam 253 engenhos de aguardente no Rio de Janeiro.[9]



[1] GOMES, Laurentino. Escravidão, v.I, São Paulo: Globo, 2019. p.226; FLORENTINO, Manolo. Em costas negras, São Paulo: UNESP, 2014, p. 103, 127

[2] RUSSELL WOOD, Escravos e libertos no Brasil colônia, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p.177

[3] RUSSELL WOOD, A. Histórias do Atlântico português, São Paulo: UNESP, 2021, p. 110

[4] ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes, São Paulo:Cia das Letras, 2000, p. 317

[5] BRITO, José Gabriel Lemos. Pontos de partida para a história econômica do Brasil. Brasiliana v. 155, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1980, p.68

[6] AQUINO, Fernando, Gilberto, Hiran. Sociedade brasileira: uma história, São Paulo: Record, 2000, p.293

[7] CALDEIRA, Jorge. História do Brasil, São Paulo:Cia das Letras, 1997, p.78

[8] MENESES, José Newton. Os alambiques, a técnica da produção da cachaça e seu comércio na América portuguesa. In: BORGES, Maria Eliza. Inovações, coleções, museus. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011, p.141

[9] LIMA, Heitor Ferreira. Formação industrial do Brasil, Rio de Janeiro:Fundo de Cultura, 1961, p. 208



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