sábado, 11 de setembro de 2021

Os ofícios e as Bandeiras de Ofícios

 

A forma mais bem organizada de artesãos na colônia, seguindo moldes portugueses foram encontrados nas chamadas Bandeiras de Ofício as quais Nireu Cavalcante identifica no século XVIII em funcionamento: Irmandade do Patriarca São José (pedreiros, carpinteiros e outros ofícios anexos), Irmandade do Glorioso Mártir São Jorge (ferreiros, serralheiros, cuteleiros, armeiros, funileiros, caldeireiros, doradores, forjadores de espadas e outros ofícios)[1], Irmandade do Senhor Bom Homem (alfaiates), Irmandade do Glorioso Santo Elói na Igreja do Paraíso em Pernambuco em 1756 (ourives de ouro e prata)[2], Irmandade de São Crispim e São Crispiniano (na figura) (sapateiros), Irmandade da Gloriosa Virgem Mártir Santa Cecília (músicos)[3]. Charles Boxer observa que muitos dos trabalhos de pintores, escultores, entalhadores e metalúrgicos, que aprenderam seu ofício com os jesuítas, foi perdido, contudo, o pouco que restou é suficiente para mostrar sua técnica em obras de entalhe. Entre os ourives e artífices em prata, contudo, os trabalhos que restaram revelam “não revelam que possuíssem mais do que medíocres possibilidades”.[4] O símbolo destas congregações era formado com as imagens de santos padroeiros São Crispim (sapateiros), São José (carpinteiros), São Miguel (padeiros), Sant’Ana (marceneiros), Nossa Senhora (alfaiates), São Jorge (ferreiros), São Luís (ferradores), São Tiago (chapeleiros), São Simão (correeiros), São Judas (seleiros)[5]. Alceu Maynard se refere a uma estória da tradição da cidade nordestina de Cunha sobre o padroeiro das carapinas: “Contam que foi São José o primeiro a usar o serrote. Vivia ele em Nazaré, ocupados nos seus afazeres de marceneiro para sustentar a família. Certa vez, cortando com um pedaço de madeira, o Capeta, vendo-o assim tão atarefado, para atrapalhá-lo, quando o santo deixou sua faca para descansar, fez muitos dentes nela. São José, ao reiniciar o serviço, encontrou a faca naquele estado. Não blasfemou nem se desanimou, Verificou que fazendo a faca ir e vir, era a única maneira de poder usá-la. Assim fez. Até gostou do que aconteceu. Foi só o santo virar as costas ... o capeta pensou: espera um pouco, vou entortar os dentes um para um lado e outro para o outro, assim ele não faz mais nada. Dito e feito. O santo reinicia seu trabalho e verifica que a faca está com os dentes virados. Obstinado, mete-o na madeira. Que maravilha ! Como cortava depressa. Foi assim que nasceu o serrote”. A estória reflete a invenção dentro do imaginário popular: uma criação do demônio, que traz um benefício não intencional, que não é o resultado de uma lógica e planejamento voltados para otimização do trabalho.[6]



[1] LIMA, Heitor Ferreira. História Político econômica e industrial do Brasil, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1970, p. 101; RUSSELL WOOD, A. Histórias do Atlântico português, São Paulo: UNESP, 2021, p. 165-166

[2] BARDI, Pietro. Arte da prata no Brasil, São Paulo: Banco Sudameris, 1979, p. 20

[3] CAVALCANTI, Nireu. O Rio de Janeiro setecentista: a vida e a construção da cidade da invasão francesa até a chegada da Corte, Rio de Janeiro:Zahar, 2004.

[4] BOXER, Charles. A idade de ouro do Brasil. São Paulo:Cia Editora Nacional, 1969, p. 180

[5] LIMA, Heitor Ferreira. História Político econômica e industrial do Brasil, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1970, p. 102

[6] ARAÚJO, Alceu Maynard. Folclore nacional III, São Paulo: Martins Fontes, 2004, p.190



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