quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Os hieroglifos e o estabelecimento da realeza

 

Numa representação de uma palavra em hieróglifo alguns ícones tem a função de conferir um sentido aos ícones anteriores sem que esteja associado a um som. Assim a palavra khered – criança é uma composição de três primeiros ícones marcando as letras K, H, D e um quarto símbolo que representa uma criança com dedo na boca indicando o contexto daquela palavra. Estes ícones de sentido tem a função adicional de marcar a separação entre as palavras uma vez que na escrita hieroglífica não há pontuação ou espaços entre as palavras. Inicialmente representando cada símbolo uma ideia a escrita hieroglífica passou a incorporar a representação de sons, assim, para representar “soldado” poderia se combinar o “sol” com um “dado” dois objetos sem nenhuma relação com o objeto final simbolizado. Como não usavam vogais, a escrita hieroglífica egípcia nunca se constituiu uma escrita alfabética.[1] O método hieroglífico era um compromisso entre um sistema alfabético e pictórico[2]. Estabelecido desde a primeira dinastia em 3100 a.c. a escrita hieroglífica egípcia sofreu apenas pequenas variações por cerca de 2500 anos.[3] Descobertas na tumba U-j do cemitério de Umm el Qaab em Abidos revelaram material epigráfico que atesta a existência de uma proto escrita na dinastia zero (3200 a.c)  antes, portanto, da unificação do Egito na primeira dinastia de Menés (3100 a.c.),[4] de modo que há uma relação direta entre o nascimento da escrita e a afirmação da realeza. Com as medidas tomadas por Teodósio I em 391 de fechar todos os templos pagãos e diante do incêndio da Biblioteca de Alexandria em 47 a.c. reduz-se cada vez mais o número de pessoas capazes de compreender os hieróglifos que tornou-se uma língua morta.[5] Os hieróglifos egípcios poderiam ser lidos da esquerda para a direita, da direita para esquerda ou verticalmente, dependendo do espaço disponível ou da imaginação do escriba, sem espaçamentos entre as palavras. A pista para a direção era a presença de um símbolo representando um pássaro, cobra ou outra criatura. Gamal Mokhtar[6] mostra que é pouco provável que a escrita egípcia tenha origem no oriente ou na Mesopotâmia uma vez que há uma evolução nos símbolos empregados e sempre com uma correlação com a flora e fauna da região o que denuncia sua origem africana.

[1] CASSON, Lionel. O antigo Egito. Rio de Janeiro:José Olympio, 1969, p.153

[2] WHITE, Jon Manchip. O Egito Antigo, Rio de Janeiro:Zahar, 1966, p. 169

[3] ROSS, Norman. The epic of man, Life Magazine, 1962, p. 118

[4] Desplancques, Sophie. Egito Antigo (Encyclopaedia) . L&PM Pocket. Edição do Kindle, 2021,  p.155/1492; DAVID, Silverman. Introduction to Ancient Egypt and Its Civilization, Semana 2, History and Chronology Part 6, 2021 https://www.coursera.org/learn/introancientegypt/lecture/NG8gC/history-and-chronology-part-6

[5] VERCOUTTER, Jean. Em busca do Egito esquecido. Rio de Janeiro:Objetiva, 2002, p.13

[6] MOKHTAR, Gamal. História geral da África, II: África antiga, Brasília : UNESCO, 2010, p.LIV



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Doação de Constantino

  Marc Bloch observa a ocorrência de falsificações piedosas tais como a pseudo doação de Constantino ( Constitutum Donatio Constantini ) ao ...