terça-feira, 7 de setembro de 2021

As bases metafísicas da ciência moderna

 

Na obra Harmonica mundi de 1619 Kepler enuncia a terceira lei de Kepler conhecida como lei dos períodos e foi formulada dez anos após a lei das áreas (2ª lei de Kepler). Essa lei mostra a relação diretamente proporcional entre o período de revolução de um planeta ao redor do Sol e o raio médio da órbita do planeta. Ela pode ser enunciada da seguinte maneira: Os quadrados dos períodos de revolução dos planetas ao redor do Sol são diretamente proporcionais aos cubos dos raios médios de suas órbitas. Considerada um marco da revolução científica a descoberta está diretamente com aspectos metafísicos da filosofia antiga que remontam ao Antigo Egito. Ao calcular as velocidades mais altas e mais baixas de cada planeta em sua órbita elíptica Kepler associou estes valores com a escala musical mostrando a harmonia do universo, uma referência a “música das esferas” de discípulos posteriores[1] de Pitágoras e Platão[2] Segundo Kepler “Aquilo que vinte e dois anos atrás profetizei tão logo descobri  os cinco sólidos entre as órbitas celestes [em referência a seu livro Mistério do Universo de 1597] . Aquilo em que finalmente cri, muito antes de haver visto a harmonia de Ptolomeu [...] Finalmente eu trouxe à luz e conheci sua verdade em todas as minhas expectativas [...] Entrego-me a uma verdadeira orgia sagrada. Enfurecei a humanidade com a cândida confissão de que roubei os vasos de ouro dos egípcios a fim de construir com eles um tabernáculo para o meu Deus. Perdoai-me”.[3] Kepler justificou as órbitas elípticas recorrendo a tradição pitagórica neoplatônica das esferas celestes, pois em órbitas circulares com velocidade constante os planetas só poderiam gerar tons únicos ao passo que um planeta que se movesse numa órbita elíptica em velocidade variável poderá gerar um variedade de notas[4]. Segundo Edwin Burtt tais teorias de Kepler “estão claramente vinculadas a seu objeto central, qual seja, determinar novas harmonias matemáticas no modelo de Copérnico, sem grandes preocupações com a utilidade que pudessem apresentar para realizações futuras, ao contrário do que passou a acontecer com os trabalhos científicos posteriores”.[5] Para Kepler: “todo conhecimento certo tem que ser o conhecimento das características quantitativas; o conhecimento perfeito é sempre o matemático”.[6] Quando William Gilbert publicou sua influente obra sobre magnetismo em 1600, Kepler julgou ter encontrado a força motora dos movimentos celestes que não seria qualquer espírito ou alma universal mas uma força: “a máquina celeste não é tanto um organismo divino, mas antes um mecanismo de relógio na medida em que toda a variedade de movimentos  é executada por meio de uma única e muito simples força magnética do corpo, do mesmo modo que num relógio todos os movimentos nascem de um peso muito simples”.[7] William Gilbert, contudo, em sua obra havia associado o magnetismo com a doutrina da animação universal de Hermes e Zoroastro .[8]



[1] GORMAN, Peter. Pitágoras, uma vida, São Paulo:Círculo do Livro, 1993, p. 193

[2] RONAN, Colin. História Ilustrada da Ciência: Da Renascença à Revolução Científica. v.3, São Paulo:Jorge Zahar, 2001, p.78, 88; McCLELLAN III, James; DORN, Harold. Science and technology on world history: an introduction. The Johns Hopkins University Press, 1999, p.220; BRONOWSKI, J. A escalada do homen, São Paulo:Martins Fontes, 1979, p.157; WEST, John Anthony. Em defesa da astrologia, São Paulo:Siciliano, 1992, p. 96

[3] MACHADO, Jorge. O que é alquimia ? Coleção primeiros passos, São Paulo: Brasiliense, 1991, p. 42

[4] HENRY, John. A revolução científica e as origens da ciência moderna. Rio de Janeiro:Zahar, 1998, p. 60

[5] BURTT, Edwin Arthur. As bases metafísicas da ciência moderna. Brasília: UNB, 1984, p. 48

[6] BURTT, Edwin Arthur. As bases metafísicas da ciência moderna. Brasília: UNB, 1984, p. 51

[7] BOORSTIN, Daniel. Os descobridores, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1989, p.289

[8] ROSSI, Paolo. O Nascimento da ciência moderna na Europa, Bauru:Edusc, 2001, p. 59



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