quinta-feira, 16 de setembro de 2021

Os comerciantes da Bahia e o tráfico de escravos do século XVIII

 

Charles Boxer aponta que após a expulsão dos holandeses do nordeste em 1648, muitos navios negreiros que traziam escravos para o Brasil sofriam o ataque de holandeses, e havia a proposta de 1698 para construção de uma feitoria fortificada portuguesa em Ajuda feita pelo rei de Daomé e que contaria com apoio de comerciantes da Bahia que se encarregariam com os custos de manutenção da feitoria, no entanto a proposta nesse momento não foi afrente pelo fato destes comerciantes pleitearem o regime de monopólio para tal companhia de comércio o que não agradava a metrópole que preferia cobrar dos holandeses eventuais indenizações pelos ataques por meio de vias diplomáticas.[1] Katia Mattoso, por outro lado, aponta que a fortaleza de São João Batista de Ajudá foi posteriormente construída, alguns anos depois da proposta inicial de uma feitoria, em 1720 com apoio dos comerciantes baianos e com as obras a cargo do comerciante brasileiro de escravos o capitão de mar e guerra José de Torres[2], dando início ao “ciclo do tráfico da Costa da Mina” que duraria até a abolição do tráfico negreiro em 1850 com a lei Eusébio de Queiroz.[3] Wenceslau Pereira da Silva presidente da Câmara de Inspeção da Bahia defendeu a criação da companhia geral da Bahia para o comércio dos escravos, no entanto a Coroa portuguesa preferiu adotar um esquema provisório, que acabou se impondo na prática, com a preparação de 24 navios armados em Pernambuco e em Pernambuco que viajariam de três em três a cada três meses fazendo o tráfico com a Costa da Mina para busca de escravos. Os navios teriam uma tonelagem limite suficiente para transportar no máximo três mil rolos de tabaco. Em 1756 contudo o limite de 24 navios foi superado e instaurado a livre negociação e que levou a eliminação dos armadores de Pernambuco, menos preparados para enfrentar a concorrência[4]. Uma petição (na figura Petição de 1757 para criação de Companhia de Comércio na Bahia. Fonte: Arquivo Ultramarino, cópia microfilmada do Arquivo Público da Bahia. Cortesia de Osvaldo Teixeira) de uma petição de 1757 feita por doze grandes comerciantes de escravos baianos enviada através do então vice rei, o Sexto Conde dos Arcos, para Sebastião José de Carvalho e Melo (futuro Marques de Pombal) pedia a criação de uma companhia de comércio aos moldes das companhias do Grão Para e do Alto Douro, criadas um e dois anos antes. Entre os assinantes da petição encontra-se Frutuoso Vicente Vianna onde entrou como "irmão de maior condição". Ele era pai de Francisco Vianna, o futuro Barão de Rio de Contas e primeiro Presidente de província da Bahia. No texto da petição consta que se trata de "... huma bem ordenada Companhia, que sendo útil aos Comerciantes, será de maior Beneffício aos Lavradores de tabaco, aos Mineiros, e a todos habitantes da América Português, por que terão Escravos em abundância para extração do Ouro, cultura do tabaco, e mais frutos da terra, e por preços taes, e tão acomodados, que nunca se comprarão neste País". A companhia teria o monopólio de comércio de escravos no golfo da Guine e em Angola, mas não teve o aceite da Coroa portuguesa. Segundo Fernando Cacciatore uma das razões pode ser encontrada na resistência do comerciantes ingleses que se ressentiam de sua exclusão do comércio da Amazônia e do Nordeste com as Companhias de Comércio lá instaladas sob regime de monopólio.[5] Jean Baptiste Nardi destaca que embora os negociantes de fumo da Bahia tenham pleiteado junto à metrópole a criação de uma companhia de comércio para realizar comércio direto com a África, por sua vez, os lavradores de fumo na Bahia se opuseram a tal iniciativa pois os negociantes pretendiam com esse comércio direto reduzir o preço dos escravos de 16 rolos de fumo para apenas 10 rolos, e por não ter outra alternativa seriam forçados a aceitar esta redução de preço. [6] Em 1759 seria criada a Companhia de Comércio de Pernambuco e da Paraíba  com sede em Lisboa. O preço dos escravos  entre sete e dez rolos de tabaco passou para 15 a 20 rolos sob controle dos armadores baianos.[7] Em 1758 um alvará determina o livre tráfico com Angola, ou seja, a metrópole portuguesa reconhece sua debilidade em financiar o tráfico internacional de escravos, já não se trata de um monopólio da Coroa portuguesa.[8] Em 1770 o livre comércio de escravos foi oficialmente restabelecido desaparecendo as companhias de comércio.[9]



[1] BOXER, Charles. A idade de ouro do Brasil: dores de crescimento de uma sociedade colonial. São Paulo:Cia Editora Nacional, 1969, p. 69

[2] https://hpip.org/pt/Contents/Place/230

[3] MATTOSO, Katia M. Queirós. Ser escravo no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Vozes. Edição do Kindle, 2016, p.56

[4] MATTOSO, Katia M. Queirós. Ser escravo no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Vozes. Edição do Kindle, 2016, p.57

[5] GARCIA, Fernando Cacciatore. Como escrever a história do Brasil, Porto Alegre: Sulina, 2014, p. 411

[6] NARDI, Jean Baptiste. O fumo no Brasil colônia. Tudo é história, São Paulo: Brasiliense, 1987, n.121, p.58

[7] MATTOSO, Katia M. Queirós. Ser escravo no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Vozes. Edição do Kindle, 2016, p.58

[8] FLORENTINO, Manolo. Em costas negras, São Paulo: UNESP, 2014, p. 122

[9] MATTOSO, Katia M. Queirós. Ser escravo no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Vozes. Edição do Kindle, 2016, p.58



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