quinta-feira, 16 de setembro de 2021

O papel da preservação do conhecimento pelos mosteiros medievais

 

Os monges medievais se dedicavam no scriptorium à cópia de manuscritos. Tais cópias é que permitiram que muitas obras da Antiguidade como textos de Virgílio, Horácio, Ovídio ou Estácio chegassem aos dias de hoje[1]. Robert Lacey os chama por esta razão de estar criando a “Arca de Noé cultural”.[2] Nesse processo era comum os autores não fazerem a devida referência quando citando outros trabalhos mais antigos, pois não se esperava que o autor fosse um promotor de ideias novas, ademais assumir o crédito de um trecho ao seu autor poderia estar sujeito ao erro e consequentemente à censura[3]. Isidoro de Sevilhas em vários trechos de Etimologias não menciona suas fontes.[4] O monge Cassiodoro no século VI publica Institutiones em que mostra a arte do copista de manuscritos nos monastérios. Um defensor obstinado do perfeccionismo na escrita Cassiodoro publica De ortografia em que apresenta as regras de ortografia. Lionel Casson mostra que com Institutiones as bibliotecas dos mosteiros convertem de um enfoque voltado apenas para atender as demandas de leitura dos monges para concerte-las gradualmente em bibliotecas de pesquisa intensificando as atividades do scriptoria e o empréstimo entre bibliotecas para expansão do acervo.[5] Em 1170 um monge da Normandia relata: “Um mosteiro sem biblioteca [sine armário] é como um castelo sem arsenal [sine armamentario]. A nossa biblioteca é o nosso arsenal. È por isso que disparamos as frases da lei Divina como setas aguçadas para atacar o inimigo”.[6] Para Christopher Dwason: “foram os grandes mosteiros, especialmente os do Sudeste da Alemanha, Saint Gall [mosteiro beneditino na Suíça], Reichnau [mosteiro beneditino no sul da Alemanha] e Tegernsee [na Baviera] que foram as únicas permanentes ilhas de vida intelectual entre a inundação do barbarismo que mais uma vez ameaçava a Cristandade Ocidental [com as invasões pelos normandos (vikings), húngaros (magiares) e muçulmanos nos séculos IX e X após o declínio do império de Carlos Magno] O monaquismo era uma instituição que tinha um poder de recuperação extraordinário”.[7] Para François Chateaubriand em “O gênio do cristianismo” escreve: “a cultura da alta inteligência conservou-se ali com a verdade filosófica que renasceu da verdade religiosa. Se a inviolabilidade e o tempo disponível do claustro, os livros e as línguas da Antiguidade não nos teriam sido transmitidos e o elo que ligava o passado ao presente ter-se-ia rompido”.[8]



[1] ZINK, Michel. Literatura(s) In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean Claude. Dicionário analítico do Ocidente medieval. v.II, São Paulo:Unesp, 2017, p. 94

[2] LACEY, Robert. O ano 1000: a vida no final do primeiro milênio, Rio de Janeiro: Campus,1999, p.97

[3] BOORSTIN, Daniel. Os descobridores, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1989, p.447

[4] NUNES, Ruy Afonso da Costa. História da educação na idade média, Campinas:Kirion, 2018, p.183

[5] CASSON, Lionel. Bibliotecas no mundo antigo, São Paulo:Vestígio, 2018, p. 164

[6] BOORSTIN, Daniel. Os descobridores, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1989, p.446

[7] AQUINO, Felipe. Uma história que não é contada, Lorena: Cleofas, 2008, p. 56

[8] AQUINO, Felipe. Uma história que não é contada, Lorena: Cleofas, 2008, p. 114



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