quinta-feira, 2 de setembro de 2021

Manethon e as dinastias egípcias

Walter Ceram destaca que nos povos antigos não há livros ou registros da história no sentido moderno, o que segundo Oswald Spengler se explica pelo modo característico de encarar os acontecimentos e a noção de progresso. No Egito o que se encontra são anais incompletos e indicações de acontecimentos em que se misturam com frequência fatos, lendas e fábulas. Uma exceção foi Manethon de Sebanytus, que viveu no século IV a.c. e que escreveu uma história do Egito em grego intitulada “Feitos memoráveis do Egito” [1] um texto que constava da biblioteca de Alexandria mas que se perdeu.[2] Manethon, que entendia a escrita hieroglífica egípcia[3] bem como grego escreveu a História do Egito em 30 volumes, hoje perdido, em que refuta os erros de Heródoto caracterizado pela credulidade e imprecisão por não verificar suas fontes e reproduzir mesmo as poucos confiáveis[4]. Mesmo as relações de reis encontradas, como por exemplo a chamada lista dos antigos reis babilônicos WB 444 são marcadas por erros e imprecisões. A ordem dos acontecimentos muitas vezes não é respeitada. Segundo Walter Ceram: “um cronista copiava de seu predecessor, limava passagens arestosas para que conviessem a seu gosto, acrescentava anedotas que ouvira do bisavô, e passava essa versão joeirada da história ao cronista seguinte, que a tratava da mesma maneira”.[5] Manethon dividie os faraós em trinta grupamentos em períodos que ficaram conhecidos como dinastias, ainda que não com o sentido de reunir pessoas do mesmo grupo familiar. Por exemplo na XVIII dinastia os dois primeiros faraós, Akmosa e Amenhotep I, são sucedidos por Tuthmose, um plebeu que não tinha relação com os governantes que o antecederam[6]. Segundo Walter Ceram: “Mesmo os gregos, em geral, não possuíam senso histórico, ignoravam as datas e descuidadamente amontoavam acontecimentos e personagens da história, até que tudo era tremenda confusão, como podemos ver em Heródoto”.[7] Em Heródoto são frequentemente incorretas suas cronologias, no entanto, segundo Rostovtzeff “embora estejamos cientes disso, muitas vezes somos incapazes de corrigir seus erros devido à falta de outras autoridades”.[8] Maurice Crouzet sobre o Egito Antigo comenta que “o impulso natural levou-os sempre a sentir saudade do passado que tentavam ressuscitar. O seu ser, pelo menos o coletivo, não foi amparado pela ideia de progresso que o futuro podia trazer-lhes. Sem dúvida faltou-lhes a imaginação confiante que pudessem concebê-la: era com aquilo que tinha existido outrora, que não mais vivia, mas que podia e devia renascer, que insistiam em sonhar”. [9]

[1] CERAM, Walter. Deuses, túmulos e sábios, Rio de Janeiro:Bib. Exército, 1971, p.115

[2] CASSON, Lionel. Bibliotecas no mundo antigo, São Paulo:Vestígio, 2018, p. 48

[3] VERCOUTTER, Jean. O Egito antigo, São Paulo:DIFEL, 1974, p. 14

[4] JOHNSON, Paul. História Ilustrada do Egito. Rio de Janeiro:Ediouro, 2002, p. 37; VERCOUTTER, Jean. Em busca do Egito esquecido. Rio de Janeiro:Objetiva, 2002, p.14

[5] CERAM, Walter. O segredo dos hititas, Belo Horizonte:Itatiaia, 1961, p. 141

[6] DAVID, Silverman. Introduction to Ancient Egypt and Its Civilization, Semana 2, History and Chronology Part 2, 2021 https://www.coursera.org/learn/introancientegypt/lecture/NG8gC/history-and-chronology-part-2

[7] CERAM, Walter. O segredo dos hititas, Belo Horizonte:Itatiaia, 1961, p. 134

[8] ROSTOVTZEFF, M. História da Grécia. Rio de Janeiro:Zahar, 1983, p.198

[9] CROUZET, Maurice. História Geral das Civilizações: O Oriente e a Grécia Antiga: as civilizações imperiais, v. I, Rio de Janeiro:Bertrand Brasil, 1998, p. 52 



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