sexta-feira, 24 de setembro de 2021

A crítica à teoria do Clovis First

 

Em Lagoa Santa foram encontrados esqueletos de entre cerca 8 a 10 mil anos enquanto que Luzia[1] foi encontrada em 1975 na gruta da Lapa Vermelha IV em Confins que fazia parte de um grupo caçador coletor com datação de 12,7 a 16 mil anos, o achado humano mais antigo de todo continente americano[2]. Luzia foi encontrada por uma missão de arqueólogos franco brasileira coordenados por Annette Laming Emperaire. Walter Neves e Héctor Puciarelli nos anos 1980 perceberam que os traços de Luzia e de outros esqueletos encontrados nos arredores de Lagoa Santa lembram os negros africanos ou os aborígenes australianos, mas não os mongoloides asiáticos de onde se acredita tenha vindo a onda migratória que deu origem ao homem americano. Tampouco os índios modernos tem as feições de Luzia.[3] A explicação para os traços negros de Luiza pode estar na presença de grupos com características morfológicos dos primeiros africanos, entre o grupo dos primeiros colonizadores americanos. Segundo Walter Neves a explicação não estaria em qualquer migração transoceânica seja pelo Atlântico ou pelo Pacífico mas pelo estreito de Bhering possivelmente por duas levas distintas de humanos que deixaram a Ásia em direção à América no final do Pleitoceno, uma primeira com morfologia craniana paleoamericana e uma segunda com morfologia mongoloide.[4] Um dos primeiros a sustentar a origem asiática dos povos americanos vindo através do estreito de Bhering, não muito antes do final do Pleitosceno, foi Alexander Humboldlt ainda no século XIX.[5] A primeira leva teria caminhado pela costa do Pacífico, chegado ao Chile em 12.300 anos atrás conforme descoberta de 1997 de Tom Dillehay em Monte Verde no Chile[6], que sugere uma rota inicial pela costa do Pacífico, de modo que a penetração nos Estados Unidos e a cultura Clovis seriam posteriores derrubando a tese inicial do Clovis First[7], que aparecem amplamente nos registros arqueológicos da América do Norte a partir de 13 mil anos atrás. Entre 11,5 mil e 8,5 mil anos atrás teriam chegado ao nordeste e centro oeste do Brasil. Turner propõe um modelo para origem no homem nas Américas em três grandes migrações: os aleutas esquimós pertencem a primeira onda, os habitantes da grande costa noroeste do Pacífico à segunda onda e todos os demais ameríndios (macro índios) à uma terceira onda.[8] A hipótese de diferentes ondas migratórias, defendida em 1937 pelo etnólogo francês Paul Rivet é reforçada pela impossibilidade de se terem formado um poucas dezenas de milhares de anos mais de duas mil e seiscentas línguas no continente americano a partir de um único movimento migratório.[9] Segundo Fernando Cacciatore: “Clovis first é manifestação do America first, em um entrelaçamento, portanto, meramente jdeológico, de autoengrandecimento e hegemônico, porque em detrimento dos outros, colocados em posição de dependência e inferioridade, tudo sem o menor fundamento, a não ser como racionalização da superioridade norte americana”.[10] No entanto, após 2000 foram encontrados locais pré-Clovis que tornaram-se amplamente aceitos, como o Buttermilk Creek Complex, com 15.500 anos, no centro do Texas, e o local Cooper's Ferry, com 16.000 anos, em Idaho, e pegadas encontradas no Novo México de 23 mil anos encontradas em 2021 e datadas por Matthew Bennett da Universidade de Bournemouth. [11] Ambos nos Estados Unidos.Como o ponto de partida do homo sapiens (200 mil anos) é considerado distante dessas primeiras levas de homens, considera-se inviável se encontrar vestígios no continente americano de formas humanas mais primitivas.[12] O argentino Florentino Ameghino propôs em meados do século XIX a hipótese de que o homem teria origem autóctone nas Américas e não vindo do estreito de Bhering, no entanto, Laming Emperaire observa que não há qualquer registro de traços antropoides nas camadas recentes da América o que exclui a possibilidade de uma evolução in situ do homem americano, que necessariamente deve ter chegado por alguma onda migratória.[13]



[1] FUNARI, Pedro; NOELLI, Francisco. Pré história do Brasil, São Paulo:Contexto, 2016, p. 34; CLARK, Grahame. A pré história, Rio de Janeiro:Zahar, 1975, p. 286

[2] HOLTEN, Birgitte; STERLL, Michael. P.W.Lund e as grutas com ossos em Lagoa Santa, Belo Horizonte:UFMG, 2011, p.29; HETZEL, Bia; MEGREIROS, Silvia. Prehistory of Brazil. Rio de Janeiro:Manati, 2007, p. 52

[3] LOPES, Reinaldo. 1499 o Brasil antes de Cabral,Rio de Janeiro:Harper Collins, 2017, p. 15, 39, 50

[4] FERRO, Carolina. Luzia: a ponta do iceberg. Revista de História da Biblioteca Nacional, n.71, agosto 2011, p. 32; SP Pesquisa - A origem do Homem Americano - 1º bloco, 2015 https://www.youtube.com/watch?v=u-mbnL_6b5k

[5] VALLA, Jean Claude. A civilização dos incas, Rio de Janeiro: Otto Pierre, 1978, p. 36

[6] MILLER, Russel. A verdade por trás da história: as novas revelações que estão mudando nossa visão do passado. Rio de Janeiro:Reader’s Digest, 2006, p.29

[7] HETZEL, Bia; MEGREIROS, Silvia. Prehistory of Brazil. Rio de Janeiro:Manati, 2007, p. 56

[8] FILHO, Ivan Alves. História pré colonial do Brasil, Rio de Janeiro: Europa Editora, 1987, p.52

[9] VAINFAS, Ronaldo; FARIA, Sheila; FERREIRA, Jorge; SANTOS, Georgina. História Volume único, São Paulo:Saraiva, 2010, p.18

[10] GARCIA, Fernando Cacciatore. Como escrever a história do Brasil, Porto Alegre: Sulina, 2014, p. 55

[11] https://www.bbc.com/portuguese/internacional-58676560

[12] FILHO, Ivan Alves. História pré colonial do Brasil, Rio de Janeiro: Europa Editora, 1987, p.53

[13] FILHO, Ivan Alves. História pré colonial do Brasil, Rio de Janeiro: Europa Editora, 1987, p.23



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