domingo, 19 de setembro de 2021

A agricultura entre os indígenas

 

Segundo o suíço Alfred Métraux os povos da cultura tupi aprenderam suas técnicas de agricultura e cerâmica dos povos andinos.[1] Alfred Metraux (figura) designa os tupinambás como um “povo agrícola” porém, em seu trabalho como no de Florestan Fernandes fica evidente que a agricultura não tinha um papel central nesta sociedade[2]. Gilberto Freyre aponta a pouca tradição da agricultura entre os povos indígenas uma razão principal para não adequação ao regime escravista imposto pelo colonizador português, ao contrário do negro africano proveniente de uma cultura francamente agrícola.[3] Saint Hilaire destaca que os botocudos não possuíam agricultura e viviam da caça, pesca e dos frutos da mata.Segundo Nieuhof “os tapuias não semeiam ou plantam qualquer outra coisa que não a mandioca, e sua alimentação usual é constituída de frutos, raízes, ervas, animais selvagens e, às vezes mel silvestre: que colhem do oco das árvores”. O francês André Thevet ao descrever o povo tupinambá se refere a um profeta antepassado conhecido pelo nome de Maíramuana introdutor da agricultura que lhe teria sido contado pelos caciques morubixabas / mombixabas[4] (mborubichab - chefe e tubichab – grande)[5] tais como Kunhambeba e Pindobuçu.[6] Não há consenso sobre os fatores que teriam conduzido ao desenvolvimento da agricultura na Amazônica e contribuído para fixação de sociedades avançadas. A terra negra, rica em fósforo, cálcio, magnésio e manganês, encontrada na Amazônica fértil e fundamental para o desenvolvimento da agricultura teria sido para alguns estudiosos resultado da ação deliberada do homem enquanto que outros pesquisadores como argumentam que teria sido o resultado ocasional da reunião de nutrientes e matéria orgânica.[7] A formação de terra negra envolvia a queima de restos de comida (em um universo onde não havia animais domesticados para se alimentarem das sobras) fezes e lixo domiciliar[8]. Para Maria Cristina Tenório “a introdução da agricultura por grupos pré históricos brasileiros não acarretou uma revolução, significando antes um mecanismo utilizado por determinados grupos em situações específica”. O início do processo de sedentarização ocorre não pelo advento da agricultura mas pela descoberta de locais que possibilitassem a intensificação da coleta de frutos e raízes, tais como a mandioca.[9] Segundo Gabriel Soares em Tratado Descritivo do Brasil de 1938 os tapuia eram desprovidos de todo e qualquer utensílio na agricultura exceto pelo uso de pau de ponta. Diversos autores como Southey, Saint Hilaire e Varnhagen ressaltam a prática da agricultura brasileira da coivara entre os índios.[10] Frei Vicente Salvador destaca a agricultura predatória adotada pelos colonizadores portugueses que usam a terra “não como senhores, mas como usufrutuários, só para desfrutarem e a deixarem destruída [...] Donde nasce também que nem um homem nessa terra é republico, nem zela ou trata do bem comum, senão da um do bem particular”.[11] Saint Hilaire no século XIX descreve que “todo o sistema da agricultura brasileira é baseado na destruição das florestas e onde não há matas não existe lavoura”.[12] Segundo Thevet, “é assim que preparam suas terras para o cultivo: primeiramente, cortam sete ou oito jugadas de mato, deixando de pé apenas as árvores mais altas que um homem. Depois ateiam fogo nos troncos e ervas, roçando e limpando todo o terreno. Em seguida sugam a terra com certos instrumentos de madeira (ou de ferro, depois que tiveram conhecimento destes). Em seguida, as mulheres plantam o milho indígena e certas raízes chamadas etique (batata-doce), escavando com o dedo uma cova, como se usa entre nós quando plantamos ervilhas e favas”.[13]

[1] FUNARI, Pedro; NOELLI, Francisco. Pré história do Brasil, São Paulo:Contexto, 2016, p. 49

[2] SCHWARTZ, Stuart. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial. São Paulo: Cia das Letras, 1988, p. 409 nota 6

[3] SIMONSEN, Roberto. História Econômica do Brasil, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1962, p.132

[4] SOUTHEY, Robert. História do Brasil, Brasília: Melhoramentos, 1977, v.1, p. 173

[5] CARDIM, Fernão. Do principio e origem dos indios do Brasil e de seus costumes, adoração e ceremonias, Rio de Janeiro : Typographia da Gazeta de Noticias, 1881, p.102 Biblioteca José Midlin

[6] SILVA, Rafael Freitas. O Rio antes do Rio. Rio de Janeiro:Babilônia, 2015, p. 19

[7] HETZEL, Bia; MEGREIROS, Silvia. Prehistory of Brazil. Rio de Janeiro:Manati, 2007, p. 87

[8] GLASER, B.; BIRK, J.J. State of the scientific knowledge on properties and genesis of Anthropogenic Dark Earths in Central Amazonia (terra preta de índio). Geochimica et Cosmochimica Acta, v. 82, p. 39-51, 2012

[9] FILHO, Ivan Alves. História pré colonial do Brasil, Rio de Janeiro: Europa Editora, 1987, p.88

[10] SCHMIDT, Carlos Borges. Técnicas agrícolas primitivas - III, Diário de São Paulo, 06/03/1960 http://docvirt.com/docreader.net/DocReader.aspx?bib=tematico&pagfis=43587&pesq=&esrc=s

[11] FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro, v.1, São Paulo:Ed. Globo, 1975, p.143, 153

[12] HOLANDA, Sérgio Buarque. O Brasil monárquico: declínio e queda do império, t.II, v.4, São Paulo:Difusão, 1971, p.92

[13] THEVET, André. Singularidades da França Antártica a que outros chamam de América. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1944. p. 217. (Coleção Brasiliana). Cf. MIRANDA. Carlos Alberto Cunha. A arte de curar nos tempos da colônia. Recife:UFPE, 2017, p.209



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